Título
A imagem predatória da cidade: uma etnografia urbana do medo
Autor
Rego, Ximene
Resumo
pt
Partindo do paradoxo da insegurança - a ausência de correspondência na variação entre a taxa da criminalidade e o medo do crime - foram conduzidas duas etnografias em contextos caracterizados por realidades criminais distintas: na rua de Baixo, Porto, e na praça Nove, Rio de Janeiro. Com base na hipótese predatória, presumia-se que a insegurança urbana estaria situada no plano da (re)construção permanente do indivíduo com os espaços e os atores implicados no seu quotidiano. Foram analisadas dimensões do discurso (in)securitário - as representações dos lugares tidos como perigosos, a relação que se vai elaborando entre centralidades e espaços intersticiais, a construção de um imaginário povoado de figuras da ameaça, indicadores da relação entre dinâmicas de exclusão e insegurança, bem como as práticas de que as pessoas se servem para se protegerem do crime. Concluiu-se que o medo determina as rotinas daquelas vizinhanças, perturbando os seus laços, embora o risco tenda a ser depositado além das fronteiras que as redes de interconhecimento circunscrevem. Certos dispositivos - o respeito, a confiança, a familiaridade, o compromisso, a cooperação - revelam-se fundamentais na elaboração da multiplicidade de sentidos de que a (in)segurança se reveste, bem como daquilo que é definido como crime. A pesquisa permitiu distinguir entre falas globais do medo, que decorrem da participação em comunidades discursivas abrangentes, e falas locais do medo, dependentes das condições mais concretas da localidade. A combinação de ambas permite vislumbrar, primeiro, como o medo vai sendo dito e vivido localmente e, finalmente, como a imagem predatória da cidade pode abrigar em si dinâmicas tão contraditórias como aquelas que pendulam entre a confiança e a suspeição mútua.
en
An ethnographic research have been carried out in two distinct neighborhoods - rua de Baixo, in Porto, Portugal, and praça Nove, in Rio de Janeiro, Brazil; the purpose of which has been to reflect on the paradox of insecurity, the fact that there is a weak correspondence between the fear of crime and the actual incidence of crime. Based on the predatory hypothesis, it has been assumed that insecurity is situated in the permanent (re)construction of the individual's relations to the spaces traversed and actors encountered in their daily life. Certain dimensions contained within the discourse of (in)security have been analyzed, namely the representation of places seen as dangerous and the relationship between centers and interstitial spaces; the construction of an imaginary space filled with threatening figures; and the securitarian practices employed to organize daily life in a public space perceived as predatory. Although it was concluded that fear determines the daily routines of those neighborhoods, disturbing their internal bonds, the source of risk tends to be seen as originating beyond the bounds of the known and familiar. Certain characteristics, respect, confidence, familiarity, commitment, and cooperation, reveal themselves as fundamental to the elaboration of the multiplicity of meanings that are contained within (in)security. This research has made it possible to distinguish between different types of (in)security discourse, global "fear-talk" which takes place in discourse of broad overarching "communities," and local fear-talk which is dependent on more concrete conditions of the neighborhood. The combination of both gives insight into, firstly, how fear is spoken about and lived and, secondly, how the predatory image of the city can harbor within itself contradictory dynamics such as ones that range between mutual trust and mutual suspicion.