O Iscte -Instituto Universitário de Lisboa foi criado em 1972, no quadro de uma reforma das universidades públicas apoiada e induzida pelos sectores progressistas e desenvolvimentistas do regime autoritário, designando-se então Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
De entre muitos protagonistas, podemos destacar três personalidades que tiveram um papel-chave na reforma que conduziu à criação do Iscte.
Adérito Sedas Nunes, economista e cientista social, diretor da revista Análise Social e do Gabinete de Investigação Social (GIS), dependentes do Ministério das Corporações e Previdência Social. Nos anos 60, Sedas Nunes realizou um estudo sociológico sobre as universidades em Portugal, identificando os seus bloqueios e limitações, bem como os caminhos de uma reforma profunda, tendo em vista a sua modernização e abertura à sociedade. Na revista Análise Social, no GIS, como no Instituto de Estudos Sociais (IES), criado em 1962, Adérito Sedas Nunes lançou as bases de produção de conhecimento científico sobre a sociedade portuguesa, reunindo inúmeros jovens investigadores bolseiros que viriam a ser alguns dos primeiros professores do Iscte, na área da sociologia e das ciências sociais.
Eduardo Gomes Cardoso, engenheiro, quadro dirigente do Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII), no âmbito do qual, ao longo da década de 60, desenvolveu vários estudos e ações de promoção da produtividade do país. Essas ações foram centradas em programas de formação em gestão de empresas, de capacitação de quadros técnicos para as empresas e para o sector público, na realização de conferências e debates e na edição de publicações. Nestes programas de modernização da economia portuguesa estiveram envolvidos outros engenheiros-gestores, bem como juristas da área do direito do trabalho, que desenvolviam atividades de gestão no sector público, nos organismos do Ministério da Indústria e do Ministério das Corporações e Previdência Social, bem como em empresas industriais do sector privado, os quais viriam a estar também entre os primeiros professores do Iscte, para o ensino da gestão de empresas.
José Veiga Simão, Ministro da Educação que, em 1970, lançou a reforma das universidades, criando instituições fora do modelo tradicional, as quais foram desafiadas a oferecer cursos em novas áreas disciplinares inexistentes nas velhas universidades. Isso mesmo é referido no Decreto-Lei, de 1972, que cria o Iscte:
Os problemas da vida económica e social revestem-se de uma importância, complexidade e diversidade crescentes, tornando cada vez mais necessária a formação de diplomados com cursos superiores nos respetivos domínios. Acresce, porém, que o progresso das Ciências Económicas não só as conduziu à sua crescente diversificação, como tem sido acompanhado pelo de outras Ciências Sociais, cuja importância tem vindo a acentuar-se nos últimos anos. Estas matérias são hoje indispensáveis, quer para apoiar ou completar a formação de especialistas nos vários ramos de estudos económicos, quer para preparar técnicos e investigadores convenientemente habilitados. Com a criação dos cursos de Ciências do Trabalho e de Organização e Gestão de Empresas, enriquecem-se e diversificam-se os estudos dirigidos ao desenvolvimento económico e social do mundo português e procura-se dar satisfação à necessidade de novas especializações, nomeadamente no que se refere aos problemas sociais e à moderna gestão empresarial.
Decreto Lei n.º 522/72, de 15 de dezembro, que cria o Iscte
O Iscte abre, pois, portas com dois cursos: Ciências do Trabalho e Gestão de Empresas.
Eduardo Gomes Cardoso sublinharia que o projeto de criação do Iscte, como antes os projetos de criação do GIS, e do IES, eram
Cavalos de Troia que, persistentemente, se vão insinuando e construindo a importância dos estudos sociais, da produtividade, da gestão e das afinidades entre estes temas, até que surgisse uma oportunidade de institucionalização, quer dizer, até que a ação paralela de outras instituições, e tendo como pano de fundo motor a evolução económica e científica portuguesa e estrangeira, tivesse diminuído resistências, esclarecido antagonismos e atualizado opiniões.
Eduardo Gomes Cardoso, em
Iscte: 35 Anos, Nascido para Inovar.
“Cavalos de Troia” com os quais se procurou modernizar as universidades e o país. Um país em que, nessa época, na década de 70, as palavras sociologia e gestão eram mal vistas pelo regime conservador e autoritário, como era mal vista qualquer tentativa de mudança. Sociologia não se sabia bem o que era, mas suspeitava-se que, sendo etimologicamente próxima de socialismo, fosse comunismo disfarçado. Gestão era uma mistura confusa de administração, direção, organização e racionalização, isto é, um conjunto de condições indispensáveis ao crescimento económico e empresarial, mas este, inevitavelmente, fortaleceria os sindicatos, o que o tornava indesejável do ponto de vista do regime.
Em 1974, com a revolução de abril, surge a oportunidade de tomar Troia. No Iscte, o curso de ciências do trabalho foi transformado no curso de Sociologia, o primeiro do país, e é consolidado o lugar do estudo e do ensino da Antropologia Social e da História Contemporânea nos diferentes cursos, incluindo o curso de Organização e Gestão de Empresas. A partir de então, forma-se uma terceira base de recrutamento de professores: jovens formados no estrangeiro, muito deles exilados políticos do regime autoritário, que se juntam ao GIS e ao Iscte, reforçando o quadro de investigadores-professores e contribuindo para um ambiente plural e cosmopolita.