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A recém criada secção de sociologia do direito e da justiça, da Associação Portuguesa de Sociologia, começa a dar largos passos na sua afirmação científica. Criada em final de 2014, organiza este ano o III encontro da secção integrado no congresso mundial de sociologia do direito ‘Law and Citizenship beyond the States’, a ter lugar em setembro no ISCTE-IUL. Entrevistámos Pierre Guibentif, investigador no DINÂMIA’CET-IUL que integra a equipa de coordenação desta secção.
A chamada para resumos excedeu todas as expectativas e espera-se um encontro de debate alargado entre especialistas, investigadores e profissionais da área em Portugal.
Não obstante o trabalho realizado há longos anos nesta área de estudo, por que surge a secção temática de sociologia do direito e da justiça? Foi o enquadramento formal necessário?
Pierre Guibentif | Existem três focos principais de desenvolvimento desta especialidade em Portugal. Em Coimbra, temos Boaventura de Sousa Santos, que se especializou em Sociologia do Direito nos E.U.A. e que conduziu os seus primeiros trabalhos de terreno no Brasil. Desde que criou o CES (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra), em 1978, promove a investigação sobre a justiça, o que conduziu em 1996 à criação do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Em Braga, Manuela Ivone Cunha realizou trabalhos pioneiros sobre as prisões e conseguiu formar um grupo muito dinâmico de investigadores especializados nesta matéria. O que contribuiu para o notável desenvolvimento das ciências sociais na Universidade do Minho.
Aqui no ISCTE-IUL, a sociologia do direito foi introduzida já em 1984 e funcionou sempre ligada às atividades que pude desempenhar nas redes internacionais desta especialidade: o Research Committee on Sociology of Law, redes francófonas e germanófonas, assim como o Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati (Espanha), que dirigi de 1998 a 2000. Este ensino desenvolveu-se sobretudo a partir dos anos 2000, com um mestrado em Novas Fronteiras do Direito criado por iniciativa da Maria Eduarda Gonçalves, e mais tarde em ligação com o Grupo de Investigação “Governação, Economia e Cidadania” do Dinâmia’CET.
Fazia todo o sentido intensificar as ligações entre estas três dinâmicas de trabalho e favorecer a identificação de outras iniciativas. A Direção da Associação Portuguesa de Sociologia teve aqui um papel importante. Tomou a iniciativa de criar uma Área Temática de Sociologia do Direito para favorecer a participação, nos congressos da APS, de investigadores especializados neste domínio. Assim, no Congresso da APS de 2008 em Lisboa, ficámos a conhecer-nos melhor; no Congresso de 2012 no Porto, pudemos preparar em conjunto um call, aproveitando o tema geral, «Sociedade, Crise e Reconfigurações». Sabe-se que a crise teve, em Portugal como noutros países, um impacto considerável sobre o direito, sobre o sistema judicial, e sobre os direitos das pessoas.
Tivemos assim um bom número de comunicações (43), o que se repetiu no Congresso seguinte em Évora, em 2014 (38 comunicações). Foi nesse ano, face a esses dois êxitos, que ficou decidido criar uma secção temática própria, que veio, finalmente, institucionalizar uma rede de contactos colegiais que já tinha, na realidade, uma longa história. Esta institucionalização revelou-se muito benéfica: conseguimos realizar encontros da Secção com fortes participações em 2016 (em Coimbra) e 2017 (em Braga), e estes dois encontros deram lugar a publicações: um volume editado pelo CES Coimbra: Direitos, Justiça, Cidadania: O Direito na Constituição da Política e dois números temáticos da revista Configurações, Justiça, Direito(s) e Instituições e Justiça, Instituições, Interlocuções.
Esta dinâmica animou-nos em finais de 2016 em responder ao call do Research Committee on Sociology of Law para o acolhimento e a organização do seu Congresso de 2018. Já estava previsto o encontro da Secção realizar-se em Lisboa, e aqui sabíamos que poderíamos apoiar-nos em particular no Dinâmia’CET, mas os colegas da Secção pertencendo a outros centros apoiaram incondicionalmente e participaram ativamente na preparação deste Congresso.
Na sua perceção, existe um crescimento efetivo de especialistas na área e, por isso, este número elevado de resumos para a participação no encontro de 2018, ou é um ganho gradual do trabalho que vem sendo realizado pela equipa que coordena?
P.G. Temos conseguido de facto um número elevado de comunicações (precisamente 374), superior ao que se verificou nos encontros do RCSL destes últimos anos. Convém reconhecer que a atratividade da cidade de Lisboa teve certamente a sua importância neste êxito.
Mas também se assiste a um crescimento da comunidade dos investigadores neste domínio do direito e da justiça. Um fator é o desenvolvimento, em muitos países do mundo, dos mecanismos de avaliação do impacto da legislação. Estas avaliações devem apoiar-se em investigações a realizar por profissionais que disponham de uma formação e de condições adequadas. Um outro fator, mais recente, é que se verificam em vários lugares do mundo evoluções que põem em causa os direitos individuais e até a própria validade das leis ou até das constituições. Surgem movimentos que procuram reagir a estas evoluções, e estes movimentos necessitam de um melhor conhecimento do estado atual das nossas instituições e das leis que as estruturam.
A dificuldade é que os especialistas deste domínio pertencem a disciplinas e profissões muito variadas (investigadores, profissionais do direito, juristas, sociólogos, antropólogos, politólogos, etc.) e encontram-se envolvidos em numerosas redes temáticas mais específicas que exigem um grande empenho (melhor regulamentação, políticas sociais, políticas de proteção da juventude, múltiplos observatórios, movimentos cidadãos, etc.). O desafio é reunir estes especialistas para que todos possam discutir em melhores condições o que lhes interessa a todos: as normas jurídicas e os direitos que consagram, como um instrumento de ação coletiva com grandes potencialidades, mas também com importantes limitações. Potencialidades e limitações que variam no tempo, no espaço e segundo os domínios de atividade em questão, e que exigem, portanto, um considerável esforço da parte dos investigadores, que necessitam mesmo de poder trabalhar de maneira comparativa e cruzando várias sub-especialidades. Pelos vistos, é o que consideraram que poderiam encontrar aqui em Setembro. Ficamos muitos satisfeitos por esta resposta.
Sobre o encontro em si, a realização do mesmo no ISCTE-IUL trará uma projeção elevada do Instituto e do seu posicionamento nesta área?
P.G. Não tenho dúvida que este congresso vai reforçar a imagem internacional do ISCTE-IUL, e mais especificamente a imagem de uma instituição nova, aberta à interdisciplinaridade, e que se desenvolveu com grande atenção para com os temas da atualidade. Quanto ao trabalho em Sociologia do Direito e da Justiça, vai beneficiar do reforço das relações com muitos colegas de outros países. A partir deste evento, estes colegas poderão apreciar melhor o apoio de que beneficiamos por parte da nossa instituição, o que só pode fortalecer a posição dos investigadores do ISCTE-IUL nas redes que se desenvolvem atualmente. Estaremos assim também melhor colocados para tomar iniciativas internacionais das quais o ISCTE-IUL possa assumir a liderança, nomeadamente na temática do Congresso. Se posso afirmar isto, é porque, durante a preparação deste Congresso, encontrei por parte da nossa Instituição, da Reitoria, dos serviços centrais, da Escola de Sociologia e Políticas Públicas, das unidades de investigação em ciências sociais, e naturalmente em particular do Dinâmia’CET, um interesse, uma disponibilidade e uma capacidade de resposta que foram para mim, bem como para os outros membros do comité de organização, um enorme estímulo.
Entre os dias 10 e 13 de Setembro de 2018, em Lisboa, no ISCTE-IUL, estarão os especialistas internacionais e nacionais. O programa está disponível no site do Congresso.