Porque se tornam cabeças de cartaz um vendedor ambulante e uma cozinheira ao pisarem pela primeira vez o palco, no meio de um colectivo de trinta pessoas mais experientes do que eles? O que leva várias mulheres, domésticas uma vida inteira, a deixarem para trás os seus compromissos de donas de casa para passarem longos períodos de pressão até conseguirem treinar os seus corpos para cumprirem as exigências de um espectáculo de arte contemporânea?
E qual a natureza do lugar ocupado por dois adolescentes virtuosos que dão corpo à escatologia violenta que caracteriza a dramaturgia de um certo teatro “alternativo” europeu? O que leva uma prostituta, três imigrantes sem papéis trabalhadores do sexo e dois ex-presidiários a expor publicamente a sua condição frágil pela marginalidade extrema (Wacquant 2016) da sua experiência de vida? E, por último, com pensar esta opção de risco tomada pelos encenadores que prescindem da competência técnica de actores profissionais para recorrerem a não-actores, assumindo o poder encantatório (Gell 1992) do real e considerando a falha como esteticamente admissível (Bailes 2011)? Ensaiarei reflexões a partir destas perguntas que têm como objectivo último perceber o lugar do pensamento de sensibilidade antropológica na relação com este material reunido numa pesquisa de campo junto de actores e performers ao longo dos últimos anos na cena teatral em Lisboa e arredores.
Nota biográfica
Teresa Fradique (Lisboa, 1971). Sou antropóloga e investigadora na área da antropologia da arte e da performance. Desenvolvo o meu trabalho no cruzamento entre a pesquisa etnográfica e a produção artística nas artes visuais e performativas. Mais recentemente tenho realizado trabalho de campo em torno de projectos performativos que recorrem à participação de actores não profissionais ou não actores. Sou Professora Adjunta da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (IPLeiria) e membro do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), onde exerço actividade no âmbito do NAVA (Núcleo de Antropologia Visual e da Artes), e sou ainda membro-fundador do colectivo Seminários Nómadas de Estudos de Performance.