Título
Da imigração à patologia: biomedicina, transculturalidade e controlo
Autor
Ferreira, Júlio Flávio
Resumo
pt
Este trabalho tem como objectivo a reflexão sobre a implantação de um projecto de
Psiquiatria Transcultural para imigrantes em Portugal. A forma como a nosologia
biomédica (re)cria conceitos de “cultura”, “etnia”, “identidade”, etc., com a finalidade
de apreender o indivíduo (no contexto migratório), traduz-se em categorizações
tipológicas que podem servir a estratégias sociopolíticas com implicações no
enfraquecimento de acções afirmativas de grupos e minorias.
Contraposições entre “nós” e “eles” recorrem a pressupostos de categorizações morais
de assimilação dos imigrantes, convertidos depois em premissas psicobiológicas, que
por sua vez, não são mais do que padrões de racionalidade e sociabilidade ocidentais a
serem impostos a esta população como maneira de formalizar a sua adaptação ao local
de acolhimento.
Esta investigação procura demonstrar o modo como a psicopatologia da imigração,
veiculada através da psiquiatria organicista institucionalizada, pode servir como
mecanismo de controlo das populações e regulação de comportamentos de grupos
sociais através de categorias avaliativas, tendendo a promover a patologização do
quotidiano e da diferença. Partindo de fundamentos teóricos e metodológicos das
ciências sociais e da antropologia, em particular, este estudo procura documentar e
analisar os usos destes mecanismos e representações que lhes subjazem, a partir do caso específico do primeiro projecto de relevo no âmbito da psiquiatria transcultural em Portugal.
en
This study aims to present some reflections concerning a Transcultural Psychiatry unit
for immigrants in Portugal. The ways in which biomedical nosology uses concepts such
as “culture”, “ethnicity”, “identity”, etc. to apprehend the individual (in the context of
migration) can reinforce socio-political inequalities and weaken affirmative actions of
certain groups and minorities.
The social construction of the opposition between “us” and “them” makes use of moral
categorizations about ideals of immigrant’s assimilation processes, which are later
converted into psychobiological bias, reflecting the imposition of Western rationality
and sociability patterns on this population and their adjustment to the host society.
This research work tries to demonstrate the ways in which the psychopathology of
immigration, as it is thought by the institutionalized organic psychiatry, serves as a
mechanism for social and political control, regulation of behaviours, social groups and
categorical frames for normality, leading to the pathologisation of otherness in daily
life. Framed by theoretical and methodological contributions from the social sciences,
and anthropology, in particular, this study tries to document and analyse the uses of
these mechanisms as well as the representations underlying, through the examination of
a specific case - the first important project of transcultural psychiatry in Portugal.