Título
Virar travesti: Trajetórias de vida, prostituição e vulnerabilidade social
Autor
Ramalho, Nélson Alves
Resumo
pt
Em Portugal, a população travesti trabalhadora do sexo não tem sido alvo de interesse científico,
razão pela qual se mantém praticamente desconhecida. Ao não haver um real entendimento sobre
ela, os discursos produzidos, na sua maioria a partir de um contacto superficial, têm favorecido a
construção de imagens estigmatizantes, com consequências ao nível da sua exclusão. Por forma
a contrariar esta tendência, procurou-se, ao longo de cinco anos, imergir no "mundo" das travestis
para se compreender: (i) as "forças sociais" que, nas suas trajetórias de vida, ajudaram a compor
e definir a experiência identitária na travestilidade, (ii) o modo como o trabalho sexual se
constituiu (ou não) um elemento facilitador dessa experiência, e (iii) as situações de
vulnerabilidade social a que estavam expostas decorrente da sua atividade laboral e da expressão
de género e sexual manifestada. Atendendo a que os sujeitos se constroem de acordo com as
interações sociais e as possibilidades (ou impossibilidades) que delas vão surgindo dentro dos
contextos em que se encontram inseridos, a presente etnografia constatou que a identidade travesti
estava intimamente ligada à classe social, tendo sido forjada no seio de contextos sociofamiliares
precários, onde reinou a privação económica e afetiva. Porém, foram os contextos de trabalho
sexual que viabilizaram e consolidaram essa possibilidade identitária, dado que eles se
estruturavam como importantes agentes de socialização onde se aprendia a "ser travesti". Nesse
meio, foram encontradas diferentes formas de viver a experiência travesti, ligadas à construção
da feminilidade e à «montagem» corporal, pelo que a expressão "travestilidades" permite
evidenciar essa heterogeneidade, contestando as visões reducionistas que procuram fixar e
essencializar as identidades. A vivência das "travestilidades" era, no entanto, produtora de
situações de risco e vulnerabilidade. Diante delas, as frágeis redes sociais que as travestis
possuíam, tinham dificuldade em assegurar-lhes o suporte e proteção que necessitavam,
favorecendo a sua segregação, invisibilidade e exclusão social. Deste modo, os resultados da
pesquisa constituem-se um caminho fértil para desafiar o Serviço Social na adoção de práticas
afirmativas que permitam eliminar a opressão de género e sexual.
en
In Portugal, the travesti sex worker population hasn’t been approached by scientific research,
which is why they remain virtually unknown. Without this knowledge the discourses produced
are based on a superficial contact and favor the construction of stigmatized images, impacting on
the exclusion of this population. In order to counter this tendency, we sought to immerse ourselves
in the transvestite world, during a period of five years, aiming at understanding: (i) the social
forces present in their life-course that helped setting and defining their identity experiences in
travestility (travestilidade), (ii) how sex work contributed (or not) as a facilitating element in this
experience, and, (iii) which social vulnerabilities emerged from their work activity and their
gender and sexual expression. Since subjects are constructed according to their social interactions
and the correspondent possibilities (or impossibilities) that emerge from the social context in
which they are inserted, in this ethnography we found that the travesti identity was intimately
linked to social class, having been grown in the midst of precarious socio-familiar contexts, where
economic and affective deprivation was the norm. This work brings to light the importance of
sexual work contexts to the feasibility and consolidation of this identity. These contexts acted as
socialization agents where they would learn to "be a travesti". In them we found multiple ways
of living the travesti experience, that are connected to femininity and body "assembly"
construction. Hence, the expression "travestilities" (travestilidades) allows to highlight the
heterogeneity, challenging the essentialist visions that seek to pin and reduce identities.
Nonetheless, the experience of "travestilities" was producing risk and vulnerability situations. The
fragile social networks they had before them had difficulty in assuring them the support and
protection needed, favoring their segregation, invisibility and social exclusion. Thus, the results
of the research constitute a fertile path to challenge the Social Work in adopting affirmative
practices that allow the elimination of gender and sexual oppression.