Título
O estabelecimento das fronteiras em Angola: gestão partilhada de recursos (caso Angola - Namíbia)
Autor
Silva, Sónia Cristina Cardoso dos Santos
Resumo
pt
Antes da expansão colonial e do estabelecimento das fronteiras políticas africanas, as
populações em determinadas áreas geográficas partilhavam espaços comuns para produzir
o essencial à sobrevivência. O que motivou a presente investigação foi a necessidade de
entender as transformações operadas desde então. Caraterística notável na
contemporaneidade africana, o estudo centra-se sobre a geração de novas dinâmicas
culturais, políticas e económico-sociais, fazendo emergir novas formas de gestão dos
recursos naturais transfronteiriços a vários níveis. A investigação, assente numa abordagem
qualitativa, centrou-se no estudo de caso situacional e institucional, mediante entrevistas
semiestruturadas, observação direta e pesquisa documental e bibliográfica. A questão de
investigação é: será que o estabelecimento da fronteira sul angolana, concretamente entre a
província angolana do Cunene e a República da Namíbia, teve implicações na mobilidade da
população e na gestão dos recursos naturais? Pretendeu-se demonstrar o impacto do
estabelecimento da fronteira sul de Angola bem como procurar compreender a mobilidade
populacional no acesso à água, à terra e ao pasto para o gado, enquanto dimensões
partilhadas entre os povos limítrofes de Angola e Namíbia em três períodos históricos distintos
– pré-colonial, colonial e pós-independência.
Discutidos os dados mediante uma lógica de triangulação entre as abordagens de
investigadores precedentes, os conteúdos das entrevistas feitas e a perspetiva de alguns
documentos consultados, concluímos que o estabelecimento da fronteira sul não impediu a
mobilidade das populações apesar de alguns pressupostos da mobilidade terem sido
tendencialmente alterados, dando lugar a vários novos acordos entre os estados angolano e
namibiano visando uma melhor gestão da mesma e o estabelecimento de novas dinâmicas
locais. No período pré-colonial, a terra, a água e o gado tinham um significado especial para
as sociedades africanas. A propriedade da terra pertencia à comunidade e a água era usada
de forma comunitária. A mobilidade das populações, na região na fronteira, e a partilha dos
recursos naturais, era flexível. Durante o período colonial verificou-se um maior controlo, com
a imposição de restrições na mobilidade na zona de fronteira. A gestão dos recursos, bem
como a mobilidade populacional, sofreram alterações, mas não impediram na totalidade os
contactos entre as populações nem a sua circulação. No período posterior à independência,
a guerra civil em Angola impôs restrições muito profundas à circulação e à gestão de recursos,
não só internamente como em termos transfronteiriços. Após o final da guerra, novas
disposições políticas estatais visam uma melhor gestão da fronteira, da mobilidade fronteiriça
e da gestão dos recursos dos dois Estados, com o desenvolvimento ao mesmo tempo de
novas dinâmicas informais no seio das populações fronteiriças. Assim, tendo em conta tanto continuidades como transformações no que diz respeito à mobilidade e gestão de recursos
naturais, verifica-se que a mobilidade de pessoas de um lado para o outro da fronteira AngolaNamíbia continua, por exemplo, a ser determinada por relações étnicas e familiares seculares.
Por outro lado, aspetos como a forma como é regulada a travessia da fronteira ou a gestão
transfronteiriça da água, foram sendo alterados ao longo dos anos.
en
Before colonial expansion and the establishment of African political boundaries, populations
in certain geographic areas shared common spaces to produce the essentials for survival.
What motivated the present investigation was the need to understand the transformations that
have taken place since then. Notable feature in contemporary Africa, the study is focused on
the generation of new cultural, political and socioeconomic dynamics, giving rise to new ways
of managing cross-border natural resources at various levels. The investigation, based on a
qualitative approach, focused on the situational and institutional case study, through semistructured interviews, direct observation and documentary and bibliographic research. The
research question is: did the establishment of the southern Angolan border, specifically
between the Angolan province of Cunene and the Republic of Namibia, have implications for
the mobility of the population and the management of natural resources? It was intended to
demonstrate the impact of the establishment of the southern border of Angola as well as to try
to understand population mobility in access to water, land and pasture for cattle, as dimensions
shared between the bordering peoples of Angola and Namibia in three different historical
periods - pre-colonial, colonial and post-independence.
Discussing the data through a triangulation logic between the approaches of previous
researchers, the contents of the interviews carried out and the perspective of some consulted
documents, we conclude that the establishment of the southern border did not prevent the
mobility of populations despite some assumptions of mobility having been, tended to change,
giving rise to several new agreements between the Angolan and Namibian states aiming at
better management and the establishment of new local dynamics. In the pre-colonial period,
land, water and livestock had a special significance for local African societies. Land ownership
belonged to the tribe and water was used in community. The mobility of populations, in the
border region, and the sharing of natural resources, was flexible. During the colonial period,
there was greater control, with the imposition of restrictions on mobility in the border area. The
management of resources, as well as population mobility, have undergone changes, but have
not entirely prevented contacts between populations and their circulation. In the period after
independence, the civil war in Angola imposed very deep restrictions on the circulation and
management of resources, not only internally but also in cross-border terms. After the end of
the war, new state political provisions aim at better border management, border mobility and
resource management for both States, with the development of new informal dynamics at the
same time among border populations. Thus, taking into account both continuities and
transformations with regard to mobility and management of natural resources, the research
shows that the mobility of people from one side to the other of the Angola-Namibia border
continues, for example, to be determined by ethnic and family secular relations. On the other
hand, aspects such as how border crossing is regulated or cross-border water management
have been changed over the years.