DESEMPREGO JOVEM

A TEIA DE FATORES QUE CRIA DESEMPREGO JOVEM

A estrutura produtiva do nosso país é umas das principais causas das elevadas taxas de desemprego entre os jovens. Um problema cuja solução passa também pelas políticas públicas.

PAULO MARQUES

Professor Auxiliar no Departamento de Economia Política do Iscte, investigador no DINÂMIA’CET e Diretor do Mestrado em Economia Política.

Paulo Marques, revista Entrecampus
Paulo Marques, revista Entrecampus.

Quando e como se interessou pelo tema do desemprego entre os jovens?

Comecei a trabalhar sobre esse tema, no âmbito da minha tese de doutoramento, em 2011, no período do resgate e de um grande crescimento do desemprego juvenil. Na altura, em 2013, o desemprego entre os jovens chegou a atingir os 37 por cento. Interessei-me, portanto, por um tema que se tornava então muito relevante para a sociedade.


Do ponto de vista académico, o que desencadeou esse interesse?

Já tinha feito um mestrado em Economia e Políticas Públicas, sobre o modelo social europeu, e os diálogos que na altura estabeleci com a minha orientadora, Isabel Salavisa, encorajaram-me a dedicar-me ao desemprego jovem, especialmente pela atualidade que o tema tinha na altura.

Como se estuda o desemprego? Com que dados e metodologias?

Há diversas metodologias para estudar este tema. A que tenho utilizado e que, de certa forma, é mais inovadora no meu trabalho, passa por aquilo a que se chama de métodos configuracionais. Esses métodos permitem perceber como diferentes combinações de fatores podem gerar um determinado processo. A análise estatística tradicional tenta perceber como um determinado processo está relacionado com uma determinada variável, como várias variáveis isoladamente permitem influenciar determinado processo. Os métodos configuracionais permitem perceber como diferentes combinações de fatores, quando ocorrem de forma conjugada, geram um determinado processo. Alguns estudos estatísticos concluem que uma determinada variável está relacionada com a questão do desemprego, enquanto que outros estudos estatísticos concluem que essa mesma variável não está relacionada com o tema do desemprego. O que acontece muitas vezes é que essa análise deixa de fora as relações entre variáveis. O que eu tento explorar é como diferentes conjugações de fatores podem gerar um determinado processo.

Que fatores  considera mais determinantes para o estudo do desemprego entre os jovens?

O contexto macroeconómico tem um impacto muito significativo sobre o emprego jovem. Se a economia estiver a crescer, está a criar mais emprego e isso contribui obviamente para a variação da taxa de desemprego, também entre os jovens. Mas esse fator não justifica, por si só, porque é que os jovens estão mais vulneráveis no mercado de trabalho em determinados países. 

Em Portugal, por exemplo, outra variável muito importante é a própria estrutura produtiva. Verifica-se um enorme crescimento das formas de contratação atípica e isso está relacionado com o baixo investimento das empresas na formação e qualificação em contexto de trabalho. Quando as empresas investem na formação dos seus trabalhadores apostam em estratégias de retenção, quando não o fazem preferem utilizar formas de contratação atípica. Os países com taxas mais baixas de desemprego jovem são aqueles em que as empresas mais investem nesse tipo de formação. E esse aspeto agravou-se em Portugal a partir das privatizações, já que as empresas públicas investiam mais em formação. São disso exemplo os setores das telecomunicações e da energia, em que havia uma outra prioridade para os temas da formação quando estavam na esfera do Estado. Pelo contrário, no setor dos serviços verifica-se uma rotação muito elevada de recursos humanos, muito prejudicial para os jovens, visto que, estando eles em situações precárias estão igualmente na primeira linha de saída. 

Um outro factor foram as mudanças na lei laboral, especialmente a desregulação da contratação temporária, por exemplo, quanto à duração dos contratos de trabalho a termo, que chegou a atingir os seis anos no início dos anos 2000. Um bom indicador disso mesmo é o facto de, em 2000, haver 14% de jovens com contrato a prazo involuntário e de essa taxa ter passado para 40% em 2018. Uma evolução brutal.

Há depois o problema da sobrequalificação. Portugal é o país da OCDE com uma maior taxa de trabalhadores a exercer uma profissão menos exigente que o seu nível de formação. Portugal investiu, com sucesso, na redução do insucesso escolar e no crescimento do acesso em Ensino Superior, mas a estrutura produtiva do país não absorve essas pessoas. Em comparação com a média europeia, o desemprego entre os graduados é elevado em Portugal. 

Por último, as políticas ativas de emprego tiveram pouca capacidade de resposta, quando o desemprego jovem começou a atingir taxas mais elevadas. Principalmente porque isso aconteceu na altura em que nos defrontámos com os problemas da dívida pública e o Estado ficou sem capacidade de resposta, por exemplo, para os jovens que já não estavam a estudar, mas que ainda não estavam a trabalhar. Quando estes quatro fatores se conjugam, o resultado é explosivo. 

% JOVENS (15-24 ANOS) COM CONTRATOS TEMPORÁRIOS INVOLUNTÁRIOS 

PORTUGAL _________

UE-28  _ _ _ _ _ _ _ 

Paulo Marques, revista Entrecampus, gráfico 2

Que tipo de políticas de emprego poderiam ser aplicadas?

Incentivos à contratação, que foram utilizados, mas mais tarde. Os estágios profissionais, que independentemente de como são aplicados, podem dar aos jovens uma primeira oportunidade no mercado de emprego. As políticas de formação, especialmente aquelas realizadas em contexto de trabalho. Políticas de requalificação profissional.


E como interagem os quatro fatoresque mencionou?

Por exemplo, é mais fácil lidar com o aumento de graduados, numa economia com uma estrutura produtiva onde predominam as empresas com elevada capacidade inovadora. Ou seja, não é possível concluir que o aumento do número de graduados conduz sempre à sobrequalificação, visto que algumas economias têm capacidade para absorver esses graduados. Outro exemplo; houve países que, em plena crise económica, desenvolveram políticas ativas de emprego, com sucesso, porque não tiveram de lidar com os problemas da dívida soberana. Ou seja, nas ciências sociais não podemos isolar as variáveis.


Estamos condenados a ter um desemprego jovem na casa dos 20%? Há algum determinismo, alguma conjugação desses fatores, que seja “fatal” entre nós?

Não. Para evitarmos isso é necessário estabelecer prioridades. E a prioridade tem de ser a alteração significativa da nossa estrutura produtiva.

Mas isso não é o mais difícil?

É. Mas se alinharmos as políticas públicas com esse objetivo será mais fácil. Por exemplo, se calhar não faz sentido pagar estágios profissionais em empresas que investem muito pouco em formação. Quanto à sobrequalificação, é possível agir politicamente sobre as áreas de graduação, ou então sobre a contratação de graduados pelo setor público. Na legislação laboral tem-se registado uma evolução positiva, nomeadamente no que respeita à contratação temporária, por exemplo. O que não podemos ter é políticas públicas desconectadas umas das outras.

Qual o papel da concertação social neste tema? Sindicatos e associações patronais estão atentos ao problema do desemprego jovem?

Há um aspeto, que considero essencial, para o qual não há uma atenção pública suficiente. Há convenções coletivas, que resultam da negociação entre sindicatos e patrões, que têm cláusulas que permitem a utilização de contratos temporários para além do que está definido na Lei. Isso acontece, por exemplo, no setor bancário, ou no caso dos call centers, por exemplo, se pode utilizar contratos temporários sem que seja necessário apresentar uma justificação. Esse é um tema em que a concertação pode ser importante.

Outra área é a da formação profissional, em que seria possível determinar outro tipo de obrigações de carga horária para a formação.

TAXA DE DESEMPREGO JOVEM (15 24 ANOS)

PORTUGAL __________
UE-28 _ _ _ _ _ _ 

Paulo Marques, revista Entrecampus, gráfico 1

Mas os sindicatos estarão interessados num debate que dirá pouco aos seus associados?

Em Portugal, chegámos a ter taxas de sindicalização da ordem dos 60% após o 25 de abril. Neste momento, têm 18% e estão numa estratégia defensiva, num quadro de enfraquecimento muito significativo, que impacta na sua capacidade de mobilização, de recolha de fundos, etc... Do lado das empresas, há uma malha de pequenas e médias empresas, também ela com pouco peso. Ou seja, de ambos os lados, a prioridade é salvaguardar o essencial. Sem um poder político e uma opinião pública atenta a estes temas, será muito difícil encontrar e aplicar soluções.


O poder político e os parceiros sociais estão atentos e colaboram com a academia?

Há sinais positivos do lado dos governos, com uma maior atenção e mesmo participação nos nossos projetos. Existem, porém, duas limitações a essa aproximação: na academia, estamos muito pressionados pela publicação científica, que consome muita da nossa disponibilidade para trabalhar para fora; do outro lado, quem está na política precisa de grande rapidez de resposta, pouco compatível com as exigências da investigação científica, e não têm tempo para debater temas estruturais, de longo prazo.


Mas existem plataformas, fóruns, em que é possível essa comunicação?

Nesta área em que trabalho, do emprego, há essa disponibilidade para colaborar, ou até para incentivar a investigação, por exemplo, através da criação de prémios, participação em debates, etc.

E quanto aos dados, nomeadamente, estatísticos, eles estão disponíveis?

O facto de estamos na União Europeia facilita muito. Os dados do emprego são tratados de forma comum em toda a UE, através do Labour Force Survey (Eurostat), e por isso até são comparáveis. Os dados administrativos também estão disponíveis, com os necessários procedimentos de acesso.

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