Investigador CIES-Iscte
Como se interessou pelo tema da sua tese de doutoramento “Refugiados espanhóis em Portugal: entre a repressão policial e a solidariedade popular (1936-1945)”?
A minha investigação, iniciada em 2016, partiu de uma questão atual, então e agora, a dos refugiados. Nessa altura, com os refugiados da Síria, hoje, com os da Ucrânia. Mas respondia também a outros interesses que tenho: a circulação internacional de pessoas, os conflitos bélicos da primeira metade do século XX e também a emergência dos regimes autoritários desse mesmo período. Surgiu também na sequência da minha tese de mestrado, embora num espaço e tempo diferentes: o exílio liberal português 1828-32, em França e Inglaterra. Em ambos os casos, abordo o tema do exílio, embora em sentidos contrários.
De forma muito sintética, quais as grandes conclusões desta sua investigação?
Antes de mais, fica claro que o regime salazarista se opunha fortemente àquela entrada de refugiados espanhóis, sobretudo porque os identificava com ideologias que considerava subversivas, como era o comunismo. Os refugiados republicanos, os chamados “refugiados vermelhos”, foram os que mais sofreram a perseguição do regime em Portugal. Salazar apoiou a sublevação franquista desde o primeiro momento, enquadrando-se a repressão aos refugiados nesse espírito, sendo que muitos deles eram devolvidos à fronteira.
Por outro lado, verificava-se uma grande fragilidade no dispositivo de postos fronteiriços, com falta de recursos humanos e fraca preparação dos efetivos, o que conduziu a tentativas de aperfeiçoamento.
Finalmente, a população fronteiriça frequentemente apoiava os refugiados, o que era facilitado por essa permeabilidade da fronteira, mas também por laços de relacionamento já existente. Ou seja, era relativamente fácil aos refugiados misturarem-se com a população portuguesa e passarem despercebidos.
E havia também organizações que os apoiavam. Faziam-nos às claras, com conhecimento do regime, ou eram clandestinas.
O regime não estava interessado em ter despesas com os refugiados, por isso, autorizava essas organizações, embora as mantivesse debaixo de olho. Essas organizações, não só auxiliavam a sobrevivência, como encaminhavam os refugiados para outros destinos.
Nesse apoio, existia apenas solidariedade, ou havia também atividade política?
Esses movimentos congregavam naturalmente oposicionistas. Nos registos da polícia política, frequentemente observa-se que os motivos das detenções tinham a ver com suspeitas de atividade política. Essa conotação estendia-se a quem os apoiava.
E é possível sabermos quantos foram efetivamente detidos nesses três anos?
Os registos da PVDE (polícia política que deu origem à PIDE) apontam para cerca de 500 detidos entre 1936 e 1939, que passaram por prisões como as de Peniche, Caxias, Aljube… Trata-se sobretudo de refugiados sobre os quais Portugal tinha suspeitas de atividade política. A acreditar nos registos policiais, a maioria terá sido expulsa do país, ou entregue na fronteira, alguns em resposta a mandados de busca emitidos em Espanha. Cerca de 1.500 foram também repatriados para Tarragona, na Catalunha, a 10 de outubro de 1936.
Esses refugiados integraram-se na sociedade portuguesa, ou regressaram a Espanha?
Quando a guerra começou, imaginava-se que seria uma guerra curta, mas ela acabou por durar cerca de três anos. Isso alterou bastante a perspetiva de muitos refugiados. Alguns, aliás, não pretendiam fixar-se em Portugal, mas antes utilizar o nosso país como ponto de passagem, por exemplo, para América Latina. Mas não é fácil quantificar os diversos fluxos.
Que fontes utilizou no seu trabalho?
Entre nós, já existiam alguns trabalhos sobre os refugiados da Guerra de Espanha, sobretudo no domínio da antropologia, mas também da história. Procurei uma nova abordagem, pelo ponto de vista da repressão desses movimentos, assim como da população portuguesa que lhes prestava auxílio, e por isso recorri principalmente a fontes de natureza policial. Consultei documentação dos arquivos da PIDE, de Oliveira Salazar e do Ministério do Interior, depositados na Torre do Tombo, mas também no Arquivo Histórico Militar. Na maior parte dos casos, trata-se de relatórios das autoridades policiais acerca das movimentações e do controlo das fronteiras, bem como o Registo Geral de Presos da PVDE.
Grande parte dessa documentação é mesmo inédita. Consultei ainda memórias de refugiados e de portugueses que com eles tiveram contacto.
Considera este um trabalho encerrado, ou tenciona desenvolvê-lo ou aprofundar algum ângulo?
Em História os temas nunca estão fechados, terminados. É possível fazer muito mais investigação sobre este tema.
No entanto, atualmente está a trabalhar num tema completamente diferente.
Não é bem diferente… Trata-se de uma investigação sobre a criminalidade e a colaboração policial no Atlântico ibero-americano, desde 1870 a 1940. Pretendemos estudar a circulação de presos, extraditados, entre Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Ou seja, na verdade, os temas tocam-se, visto que estamos a tratar da circulação internacional de pessoas, num período e num espaço geográfico que inclui a Guerra Civil de Espanha.
PRÉMIO MÁRIO SOARES – FUNDAÇÃO EDP
O Prémio Mário Soares foi instituído em 1998, com o objetivo de galardoar autores de teses e dissertações ou de outros trabalhos de investigação originais realizados no âmbito da História Contemporânea de Portugal, no valor de 5 mil euros. Desde 2011, o prémio é promovido com o apoio e colaboração da Fundação EDP.
A decisão de atribuir o prémio ao trabalho “Refugiados espanhóis em Portugal: entre a repressão policial e a solidariedade popular (1936-1945)” foi tomada por unanimidade pelo júri, composto por Ana Paula Pires (presidente), Carlos Vargas e David Castaño.
O júri considerou o trabalho de Fábio Faria “uma investigação rigorosa e inovadora que nos traz uma nova perspetiva sobre os impactos da Guerra Civil de Espanha na Península Ibérica, partindo da análise da presença de refugiados espanhóis em Portugal durante os anos do conflito. A tese apoiou-se num corpo documental, na sua maioria inédito, assente, em grande parte, em fontes de natureza policial”.
Mas vai voltar ao tema dos refugiados?
Sim, estou a preparar-me para desenvolver um projeto sobre a presença de refugiados na Península Ibérica, durante a primeira metade do século XX, ou seja, incluindo as duas guerras mundiais e guerra de Espanha. Um dos pontos que pretendo abordar é o facto de a evolução política desencontrada dos dois países ter conduzido a uma migração cruzada de opositores.
O facto de o seu doutoramento ter sido distinguido com o Prémio Mário Soares Fundação EDP veio dar outra visibilidade ao seu trabalho e talvez abrir-lhe portas.
A atribuição do prémio teve um impacto evidente, tanto mais que se trata de um prémio com prestígio na área da História, até mesmo por causa de toda a divulgação que teve. Neste momento, estou a trabalhar num projeto de publicar a tese em livro, o que implica rever alguns aspetos. O tema dos refugiados ultrapassa claramente o mundo académico, até porque percebemos que, apesar dos diferentes contextos históricos, há aspetos que são comuns às várias épocas e quadros geográficos. O que estudei no meu trabalho, a fuga à guerra em Espanha, ocorreu também, por exemplo, com a fuga de polacos devido à invasão hitleriana, ou agora com a fuga de ucranianos por causa da invasão russa. Até porque uma das mais-valias da História é encontrar em acontecimentos passados respostas para problemas que nos assolam no mundo contemporâneo.