INCLUSÃO

Nova abordagem nos estudos da deficiência



Luis Capucha



LUÍS CAPUCHA


Professor Catedrático Iscte Sociologia e Políticas Públicas
Investigador CIES-Iscte
Coordenador Núcleo de Estudos da Deficiência



A área dos Estudos da Deficiência e Direitos Humanos é das mais recentes na investigação e formação especializada do Iscte. Para a equipa que a dinamiza, as políticas públicas fazem a diferença na vida das pessoas com deficiência.




O Núcleo de Estudos da Deficiência, no seio do Iscte responde a que necessidade?

O Núcleo surge porque o Iscte tem saberes, capacidade, recursos e tradição para alargar os seus estudos à deficiência na perspetiva dos Direitos Humanos. Surge como uma oportunidade de desenvolver uma área importante de investigação, mas também de ensino e de prestação de serviços. O Iscte tem essa tradição, desde o tempo em que o Professor João Ferreira de Almeida e eu próprio nos envolvemos na elaboração da proposta técnica para o Plano Nacional de Reabilitação, no início dos anos 1990, até às avaliações de programas que atuam na área da deficiência, como o Horizon (1991/1999) e o Integrar. Mais tarde realizaram‑se outros estudos, em conjunto com o Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, para a integração da pessoa com deficiência.
Essa “tradição” desenvolveu‑se ainda mais com um doutoramento que foi defendido no Iscte, e que tinha a deficiência como temática e a intervenção precoce como política pública1. Há também um conjunto de estudos que temos vindo a realizar com uma instituição que é a Inovar Autismo, como a avaliação do projeto europeu “Young mediators for inclusion” e outros. Este projeto promove a participação de crianças/jovens com autismo em atividades desenvolvidas por estruturas comunitárias, em pé de igualdade com os seus pares, através do apoio de “jovens mediadores para a inclusão”. Temos participado nos domínios da construção de ferramentas para a integração, como o “Kit Direitos Humanos” – Portugal Inovação Social ou o “Digitool” – Digital Inclusive Tool, e ainda num estudo de maior dimensão: a avaliação do Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI).
O MAVI é uma política inovadora que tem um grande potencial para a vida das pessoas e também nos domínios da segurança social, e que criou uma dinâmica que agora a reitoria do Iscte resolveu desenvolver e prolongar, promovendo o Núcleo de Estudos da Deficiência.



1 “As políticas públicas e a qualidade de vida das famílias com crianças com autismo: o caso da intervenção precoce na infância”. Tese de doutoramento de José Miguel Nogueira, defendida a 6/3/2019, sob orientação de Luís Capucha.



Relativamente ao MAVI, a intervenção do Iscte foi avaliar a sua aplicação?

Exatamente. O Modelo de Apoio à Vida Independente orienta‑se por uma nova geração de políticas públicas, muito orientadas para o cumprimento dos direitos humanos e para a promoção da autonomia das pessoas. É uma política que põe uma pessoa com deficiência em relação com uma pessoa que lhe dá apoio, o assistente pessoal, para que ele possa suprir algumas das carências nos mais diversos domínios: nos transportes, no lazer, no trabalho, na educação. As pessoas com deficiência, muitas vezes, resolvem os problemas resultantes da deficiência apenas com o terem apoio de uma pessoa que ajuda a realizar um conjunto de tarefas. Esta é uma política que está ainda numa fase embrionária, está a ser desenvolvida há menos de cinco anos, embora já haja alguma consolidação do modelo, e que foi avaliada para ver o seu potencial desenvolvimento. A conclusão principal da avaliação é que a política foi fundamental, mudou efetivamente a vida das pessoas e das suas famílias, fazendo com que houvesse pessoas que pudessem voltar a trabalhar, a ter tempo de lazer, enfim, coisas básicas que, quer as pessoas deficientes quer as suas famílias, puderam passar a poder fazer.
Há aspetos passíveis de melhorar, quanto à remuneração e ao desenvolvimento da profissão de assistente pessoal, e também quanto ao modo como o serviço é prestado. Mas há um grande consenso de que este projeto é fundamental e esta política é capaz de mudar, a fundo, o rumo da vida das pessoas.


Do ponto de vista da metodologia, o que destaca?

Este projeto de avaliação foi também muito interessante, e digo‑o enquanto investigador, do ponto de vista da metodologia. Fizemos vários inquéritos às pessoas deficientes, aos assistentes pessoais, às famílias, aos técnicos, etc. Percorremos todo o sistema, com taxas de participação elevadíssimas, superiores a 90%. E seguimos um princípio: o de que ninguém responde por ninguém, isto é, as pessoas com deficiência, se tinham condições cognitivas para responder, respondiam, sem que fossem colocados técnicos ou familiares a falar “em nome de”. Foi uma inovação importante do ponto de vista das metodologias científicas.
Outro aspeto, relativamente raro, é que todos os instrumentos foram discutidos de forma fina com os técnicos envolvidos e com as pessoas que eram destinatárias das medidas. Depois de termos construído as ferramentas de inquirição com base na nossa expertise, fomos confrontar esses instrumentos com as pessoas, o que permitiu duas coisas muito importantes: a primeira, confirmar que as pessoas confiaram que as perguntas certas estavam a ser feitas e, portanto, que não omitiam aspetos importantes; por outro lado, que todas as questões estavam lá inseridas e que as perguntas pudessem ser formuladas de forma a serem entendidas por toda a gente, sem equívoco ou dúvida. Esta metodologia foi implementada não junto de um pequeno grupo, mas com o universo das pessoas. Foi muito interessante o processo de participação na construção das ferramentas de inquirição, e foi rigoroso do ponto de vista científico. 



Há uma nova geração de políticas públicas, muito orientadas para o cumprimento dos direitos humanos e para a promoção da autonomia das pessoas.



Como é que está previsto o desenvolvimento do Núcleo de Estudos da Deficiência?

O Núcleo está situado no CIES e na Escola de Sociologia e Políticas Públicas, por comodidade, mas é uma estrutura muito aberta. Neste momento tem já a participação de pessoas que não são do Iscte. Fizemos uma primeira reunião, com mais de 20 pessoas, interessadas em participar em atividades concretas do núcleo e realizamos o primeiro Seminário Internacional, em maio, com uma enorme adesão. Apraz‑me registar que há uma grande diversidade de pessoas a aderir: da área da medicina, ciências biomédicas, neurologia, da área do direito, da psicologia, da arquitetura, do serviço social, da sociologia em diferentes ramos, pessoas das artes. Isto permite perspetivar um desenvolvimento multidisciplinar muito importante no estudo deste tipo de problemas sociais.


Optam, pois, por uma abordagem muito aberta.

Todos os problemas sociais beneficiam sempre de contributos de diferentes áreas científicas para construir objetos multidisciplinares, como aqueles que respeitam à transição entre ciclos na vida das pessoas em vez de irmos estudar apenas a família, a arquitetura da cidade, a doença, a escola, o trabalho, a reabilitação, etc. As transições são sempre momentos de crise. Por exemplo, como se processa a transição da família para a escola? E na escola, entre os ciclos? As pessoas vão‑se organizar por áreas de estudo e desenvolver candidaturas aos principais programas de financiamento nacionais e europeus. Também estamos disponíveis para responder a qualquer solicitação exterior e emprestar a nossa competência académica ao serviço das políticas de integração social e dos direitos humanos.


O Núcleo tem ainda duas outras áreas: educação e a difusão de conhecimento.

A investigação é a dimensão central do Núcleo de Estudos da Deficiência, mas temos uma área que é sua consequência direta: a difusão de conhecimento científico. Em 2023 estão previstas duas conferências. Em maio promovemos uma discussão sobre o Modelo de Apoio à Vida Independente, a autonomia e seu potencial. Mais no final do ano, dedicaremos outra conferência internacional às questões da Educação. Temos ainda a área do Ensino, estando abertas as candidaturas para uma pós‑graduação. Estamos cheios de ideias e de iniciativa. Sempre foi apanágio do Iscte: inovar na investigação e no ensino. No nosso país há ainda um défice enorme nesta área da ciência nas universidades. Universidades estrangeiras já têm uma área de disability studies mas em Portugal só existe um ou outro investigador a fazer coisas dispersas, isoladas. No Núcleo seremos capazes de produzir informação científica de utilização universal e fazer o acompanhamento das políticas, dos principais indicadores, para disponibilizar relatórios anuais sobre a evolução desta área. Sabemos que há um trade‑off entre conhecimento e políticas públicas e, portanto, quanto mais conhecimento há nestas áreas, maior a tendência para existirem boas políticas sociais.


Luis Capucha



A Pós‑Graduação “Estudos da Deficiência e Direitos Humanos” visa preparar profissionais técnicos do setor, bem como recém‑licenciados que pretendam profissionalizar‑se na área e dirigentes de organismos públicos, autarquias e instituições de solidariedade social. O curso constitui‑ se como a primeira Pós‑Graduação em Portugal, acessível para pessoas surdas e com outras incapacidades, pretendendo‑ se com isso dar um sinal claro da lógica inclusiva do mesmo.



Como se organiza o Núcleo de Estudos da Deficiência?

O Núcleo vai ter a funcionar junto dele um Conselho Consultivo, para o qual vamos convidar municípios, associações representativas do setor e as entidades públicas que gerem as políticas (ISS, INR, etc.). Queremos que o Núcleo de Estudos da Def iciência seja um espaço de encontro e colaboração, que viva das iniciativas das pessoas ou das instituições, um espaço de encontro e partilha para as pessoas que trabalham nesta área. Estamos abertos às sugestões de temas para propostas de trabalho e também a transferir conhecimento. Iremos também fazer uma candidatura a um curso online. Nos nossos planos e na nossa maneira de atuar está sempre a ideia de incluir pessoas com deficiência. Queremos que também se associem ao Núcleo e tenham nele uma participação ativa a todos os níveis.



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