Investigadora Dinâmia’CET-Iscte
Como é que surgiu este projeto do LXhabidata?
Em 2017 organizámos uma conferência chamada “Lisboa, que Futuro?” que foi um marco na discussão das transformações recentes da cidade, iniciadas nos anos 2015/16 com o aumento exponencial do turismo e dos preços da habitação. Nessa altura, começámos a fazer pesquisa para as apresentações e não havia dados. Aliás, não é por acaso que, a partir de 2017 e 2018, o problema se torna político e mediático; a Secretaria de Estado da Habitação é criada em julho de 2017. O INE começa a publicar, nesse ano, os primeiros dados do preço de arrendamento. Havia, e ainda há, uma grande falta de informação.
Começámos a fazer um protótipo da LXhabidata com o que havia e com o objetivo de criar uma base de dados pública que reunisse múltiplos dados de habitação, e nos ajudasse a nós, académicos, à sociedade civil, aos agentes políticos e agentes económicos em geral, a conhecer a realidade.
Tivemos dificuldade em ter recursos para fazer o LXhabidata e conseguimos, em novembro de 2021, lançar publicamente a plataforma. A plataforma é a primeira base de dados pública sobre habitação da área metropolitana de Lisboa e seus concelhos.
Como é que foi feita a constituição da equipa do projeto, multidisciplinar?
Temos vindo a trabalhar com pessoas envolvidas com o tema da habitação e da cidade. A outra coordenadora do LXhabidata, Madalena Matos é socióloga e professora de métodos. Com essa experiência, tem uma função muito importante. Temos um elemento da equipa desde o início – o Marco Carreira – com uma função essencial na própria conceção e na alimentação da base de dados, que exige um grande domínio do tratamento estatístico. Outro membro da equipa é a Teresa Costa Pinto, da sociologia urbana, que sempre trabalhou na área da habitação e das questões urbanas. E ainda a Maria Assunção Gato, que é antropóloga urbana.
Há também um conselho científico, de quem recebemos inputs e feedback, que junta ainda economistas, geógrafos, arquitetos, etc. numa multidisciplinaridade que é característica do próprio Dinâmia’CET-Iscte, Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território.
Ainda assim, sente falta de recursos?
Esse é um problema da investigação. Mas também é interessante fazer parcerias com outras entidades públicas. A LXhabidata é muito útil, por exemplo, às autarquias. Nesta matéria, infelizmente, há muitos anos que as consultoras têm estado a substituir a academia no trabalho de análise das políticas públicas em geral, e também de habitação.
O IPPS é um exemplo daquilo que a academia continua a fazer, e a fazer bem, mas seria bom conseguirmos reforçar esse trabalho, pois a preparação da academia relativamente às consultoras é vantajosa: é menos comercial, mais reflexiva, mais independente, e também mais preparada do ponto de vista conceptual. O manancial de informação é muito grande e desejávamos que as autarquias, organismos públicos, etc. fossem mais ativos, a sustentar este tipo de investigação.
Temos um apoio importante da FCT, através do nosso centro de investigação, e é esse apoio que, apesar de pequeno, está a sustentar a plataforma. Estamos a trabalhar para incorporar uma componente fundamental de análise através de um observatório. O futuro Observatório LXhabidata continuará na plataforma. Mas para isso queremos também começar a construir newsletters simples, com dados, múltiplas análises, artigos científicos, etc.
A EQUIPA do LXhabidata. Da esquerda para a direita:
Madalena Matos, Teresa Costa Pinto, Sandra Marques Pereira, Marco Carreira e Maria Assunção Gato
Há limites temporais para este projeto de investigação?
Este projeto não tem fim. É uma infraestrutura científica que recolhe e trata informação sobre o tema da habitação. Será sempre necessário encontrar financiamento para a manter, seja através da FCT, seja através de outras entidades. Recebemos um feedback muito positivo sobre este projeto. É para manter, reforçar e encontrar financiamento que lhe dê sustentabilidade.
Que produção científica já existe, a partir desta plataforma?
Estamos a trabalhar nisso. Houve uma fase em que já estávamos a trabalhar na base de dados, e simultaneamente a tentar arranjar financiamento. Depois, na altura da pandemia lançámos dois inquéritos online (um sobre os impactos na habitação e outro no alojamento local), dos quais saíram três publicações científicas.
Um observatório como este poderá ser alargado a outras áreas geográficas, como o Porto?
Com certeza, haja recursos humanos e financeiros. A expansão para a área metropolitana do Porto fazia todo o sentido, ou mesmo para o Algarve, ou Madeira. Nós sempre pensámos a LXhabidata como um instrumento de apoio à reflexão sobre as dinâmicas que estão em curso e que são altamente problemáticas.
É evidente que haveria todo o interesse ser a nível nacional. Quando falamos de políticas de habitação muitas vezes não se identificam, de forma precisa, as nuances profundas entre os problemas das várias regiões e as escalas diferentes. As políticas de habitação em Portugal situam-se em duas escalas – municipal e Estado central – e não têm uma terceira, regional/área metropolitana.
A pandemia trouxe um interregno na escalada de preços, mas o mercado já voltou ao que era?
Sim, depois do crescimento dos preços, em parte relacionado com a expansão do alojamento local… como mostram os últimos dados do INE (só usamos fontes oficiais).
Dados recentes do arrendamento já mostram uma recuperação muito significativa dos preços. Por exemplo, na freguesia de Santo António, que sempre foi das mais fustigadas pelo alojamento local e pelo investimento de estrangeiros, neste momento, os preços escalaram brutalmente, nunca se praticou um valor tão elevado em Portugal: 15 € por metro quadrado. Ao nível do arrendamento, o mesmo acontece com Santa Maria Maior (Alfama, Baixa, Chiado, Castelo) onde os preços subiram bastante.
Em relação ao imobiliário, o alojamento local está a recrudescer depois de um hiato na pandemia e em paralelo assiste-se, em Lisboa, à construção de grandes empreendimentos imobiliários. Há real necessidade de construção e comercialização ou este é um fenómeno de ordem economicista?
Sabemos que, neste momento, há um problema enorme de acessibilidade à habitação pelas classes médias que não é resolvida por essas grandes construções. É o setor público que tem de ter essa preocupação e tem-na. Este é um problema que afeta cada vez mais pessoas muito qualificadas, que aparecem nos media, que têm opinião e capacidade de pressão cívica.
O PRR, por exemplo, destina já um montante considerável para habitação. Mas temos de distinguir entre a habitação para a “população mais carenciada” e as chamadas classes médias, em que este problema é emergente. Neste momento não tenho a certeza se há uma visão urbanística muito favorável a que se faça uma transformação integrada.
Quando se fala de habitação há outras envolventes, como a fiscalidade, que é importante na tomada de decisão.
As autarquias também vivem muito dos impostos, como o Imposto Municipal sobre Imóveis, o Imposto Municipal de Transações Imobiliárias, etc. E o país apostou muito numa lógica de competitividade fiscal. São exemplos disso os Vistos Gold, o Regime de Residentes Não Habituais e agora o visto para os nómadas digitais. Esta situação cria uma grande inequidade fiscal entre os locais e os estrangeiros.
É previsível que sejam produzidos relatórios pela equipa para apoiar decisões que venham a ser tomadas, mesmo sem serem solicitados?
A questão é sobre a proatividade, mas neste momento o que é valorizado, em termos de publicações, são os artigos científicos. Estamos a ponderar criar uma newsletter mais genérica, mais simples, mais curta, sobre as dinâmicas de mercado. Mas não podemos esquecer que hoje em dia, o que se avalia e valoriza na academia é a produção científica, essencialmente artigos em revistas indexadas.
Em Portugal, no entanto, já temos muitos centros de investigação com produção de conhecimento, cruzando várias ciências em trabalho relevante.
A discussão em torno da habitação, em Portugal, começa pelo menos nos anos 1960, quer na arquitetura quer nas ciências sociais.
O Iscte teve o Centro de Estudos Territoriais (CET). Hoje o Dinâmia’CET-Iscte, resulta da fusão de dois centros, o CET e o Dinâmia, mantendo-se a preocupação de articular a discussão da habitação com a questão da cidade e do território. Tivemos um grande programa de alojamento nos anos 90 (o Programa Especial de Realojamento), que levou a uma discussão académica intensa envolvendo sociólogos, antropólogos, geógrafos, arquitetos.