EDITORIAL

O Futuro da Ciência e da Universidade


Reitora Maria de Lurdes Rodrigues


MARIA DE LURDES RODRIGUES

Reitora



Retomo, neste número, o tema de um pequeno livro que coordenei com o colega Jorge Rodrigues da Costa, onde estão compilados e editados os debates promovidos no “Encontro Nacional – Universidade: Chave para o Futuro”, um espaço de reflexão sobre o futuro da universidade, do ensino e da investigação, alinhado com o marco dos 50 anos da Reforma Veiga Simão (1972) e com as comemorações dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril (1974). Pensar o futuro, neste caso da ciência e das universidades, ajuda a construí‑lo. Obriga a encarar os problemas presentes e a identificar soluções e oportunidades. Obriga a escolher os caminhos possíveis e a enfrentar os dilemas com que nos deparamos. Da reflexão e dos debates resultam três grandes desafios.

Em primeiro lugar, o desafio de mais ciência nas universidades.
A concretização do processo de Bolonha em Portugal, que teve início em 2006, orientou‑se por princípios de maior articulação entre o ensino/formação avançada e a investigação: veja‑se a exigência do doutoramento como requisito para entrada na carreira docente, o grau académico de doutoramento como prova de aquisição de competências de investigação, a existência de estruturas de investigação como condição de acreditação de ciclos de formação avançada e a participação de investigadores nos órgãos de gestão das universidades.
Apesar deste importante passo, e de o ensino superior e a ciência se terem mantido sob tutela conjunta desde 2002, o reconhecimento do papel das universidades na promoção da investigação científica não chegou a traduzir‑se em medidas de política efetivas. Após vários anos de crise financeira, onde se assistiu a uma diminuição drástica das dotações públicas para o ensino superior, os contratos de legislatura entre as Instituições de Ensino Superior (IES) e o Governo (assinados em 2015 e em 2019) trouxeram algum alívio, mas não foram promotores de qualquer estratégia de desenvolvimento ou de modernização das infraestruturas de ensino.
Atualmente, as universidades são responsáveis por mais de 40% da produção de investigação e desenvolvimento, acolhendo no seu perímetro cerca de 200 centros de investigação de elevada qualidade e mais de 25.000 estudantes inscritos em programas doutorais. É, portanto, inquestionável o papel que desempenham no desenvolvimento do sistema científico nacional, na produção de mais e de melhor conhecimento. Nesta medida, é imperativo definir novas políticas de articulação entre a ciência e o ensino superior para que as universidades, num quadro de maior previsibilidade e estabilidade financeira, possam chamar a si uma ação estratégica mais relevante e participar na renovação do compromisso com a política de ciência.

Em segundo lugar, o desafio da ligação das universidades à sociedade.
O principal contributo das IES e da investigação para o desenvolvimento económico do país reside, sobretudo, na produção de conhecimento em todas a áreas do saber e na formação de quadros técnicos altamente qualificados, enquanto agentes de difusão e transferência de conhecimento, de mudança e de inovação na economia e na sociedade. Nas últimas décadas, os setores da economia que mais se modernizaram devem‑no, sobretudo, à articulação que souberam estabelecer com os centros de investigação e com as universidades. Apesar desta realidade, ainda subsistem dúvidas e tensões quanto à definição da política de inovação a prosseguir para induzir transformações na estrutura da economia portuguesa e tornar mais aplicável o conhecimento e a ciência que os cientistas produzem.
Exige‑se uma articulação entre a política de ciência e ensino superior e a política de economia, que terá necessariamente de assentar em estratégias e práticas de valorização do conhecimento e da sua transferência para a economia e a sociedade. Neste tópico, tem relevância a gestão das estruturas de interface e dos ecossistemas de inovação, reclamando‑se maior informalidade e mais agilidade e clareza na orientação dos processos.
Porém, a interação da “universidade sem muros” com a sociedade e a economia – de que o recém‑inaugurado Iscte-Conhecimento e Inovação é um bom exemplo – não pode condicionar o cumprimento das três dimensões estruturais da missão das IES. Ou seja, é a aposta na qualidade do ensino e da investigação que gerará impactos na transformação económica e social. Se essa qualidade falhar ou fraquejar, os processos de ligação à sociedade poucos contributos darão, por melhor que seja o seu desenho.

Em terceiro lugar, o desafio de uma universidade mais aberta.
As tecnologias digitais são hoje instrumentos indispensáveis da inovação e diversificação pedagógica. Servem para chegar mais longe, para chegar a novas geografias e a novos públicos e alargar a missão de difusão do saber através do ensino. Servem, também, para afirmar e valorizar o português como língua de conhecimento.
Para isso, a universidade tem de estar mais aberta e comprometida com a resposta aos desafios contemporâneos das desigualdades, da diversidade e interculturalidade, da integração e inclusão, da transição digital e ambiental, o que não é compaginável com modelos de avaliação baseados quase exclusivamente em critérios quantitativos e unidimensionais do mérito.
Este novo contexto interpela‑nos, ao invés, a promover uma reflexão sobre os modelos de avaliação – das pessoas, das atividades e das instituições – e a equacionar a renovação dos respetivos métodos, mobilizando novas variáveis e privilegiando abordagens multidimensionais.

Estes desafios são de natureza diversa e colocam‑se de forma diferenciada aos vários intervenientes em função da sua responsabilidade e esfera de atuação. O ritmo e a natureza das respostas marcarão, decerto, a configuração da ciência e das universidades no futuro.


Voltar ao topo