INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A Inteligência Artificial na Administração Pública



Luis Nunes EntreCampus


LUÍS NUNES

Professor Iscte Tecnologias e Arquitetura

Investigador ISTAR‑Iscte


Pretende‑se perceber quais são as questões relacionadas com dados, muitas vezes com grandes volumes de dados, que neste momento não estão a ser utilizados em várias entidades da Administração Pública, ou ajudar em temas relacionados com a transformação digital e automatização de processos.



Em que consiste este projeto e como está ligado ao Centro de Competências de IA para a AP (IA>AP)?

O projeto MAIPro – Monitorização e Alerta para o Incumprimento de Projetos, sediado no ISTAR‑Iscte, vem na sequência de outro, o IA Incentivos (ambos com o IAPMEI, o primeiro também com a participação da AICEP). O projeto inicial chegou‑nos através do nosso colega que dirige o IPPS‑Iscte (Instituto de Políticas Públicas e Sociais), Professor Ricardo Paes Mamede, e juntou uma equipa multidisciplinar com docentes do Departamento de Ciências e Tecnologias da Informação, do Departamento de Métodos Quantitativos para Gestão e Economia e do Departamento de Economia Política.
Durante esse trabalho surgiu a ideia de criar um Centro de Competências em Inteligência Artificial para a Administração Pública (IA>AP) porque, em várias ocasiões em que falámos do projeto, fomos contactados pela AP, quer para implementar soluções semelhantes ou com pedidos ligados à área de text mining, por exemplo, para a triagem de mail. Nestes últimos dois anos e meio, tentámos dar o impulso inicial a este Centro de Competências de IA para AP para poder responder a esses pedidos.


Em que fase está esse Centro de Competências?

Este Centro não tem ainda uma localização física, temos uma página online (https://iaap.iscte‑iul.pt) com informações e, para já, somos um conjunto de pessoas com um objetivo comum. Além das muitas colaborações de colegas de várias áreas é importante salientar a contribuição dos membros da comissão de instalação inicial: Ana Almeida, Elsa Cardoso, Ricardo Ribeiro e Francisco Guimarães. Ainda não estão definidos os moldes em que este Centro irá operar após a fase de instalação (a partir de janeiro de 2024), mas é certo que irá manter o seu cariz de transferência de tecnologia e de apoio à aprendizagem nesta área. No fundamental pretende‑se perceber quais são as questões relacionadas com dados, muitas vezes com grandes volumes de dados, que neste momento não estão a ser utilizados em várias entidades da AP, ou ajudar em temas relacionados com a transformação digital e automatização de processos. Por vezes, na AP há muitas questões relativamente ao que pode ser feito com os dados que detém, e o que propomos é: emprestem‑nos os dados e veremos até que ponto se pode extrair benefícios desses dados, que vos sejam úteis na vossa missão. Deste modo, este Centro também contribui para a melhoria do ensino na área de IA expondo os alunos da área de tecnologias do Iscte a problemas reais durante os projetos e dissertações e isso é também uma mais‑valia relevante.

 

O que desenvolvem com o IA>AP é mais o modo de pensar e planear o funcionamento?

É. Há quem chame a isto o try before you buy, experimentar antes de comprar. Nós não temos custos nenhuns a não ser algum tempo para nos darem a informação e para nos explicarem algumas coisas sobre o contexto em que os dados são usados. Há casos em que o domínio do conhecimento é muito, muito importante. Há casos em que demorámos muito tempo até que a equipa estivesse confortável com os termos usados, com os processos em causa, mas essa “formação” é o único custo que as entidades públicas têm nestas experiências.
Foi o que aconteceu nos projetos IA Incentivos e MAIPro: com base nas informações das candidaturas a fundos europeus, desde 2014 a 2019, tentámos treinar um sistema para prever o risco de anulação de projetos, i.e., se iam ou terminar corretamente ou se seriam anulados durante o processo. A capacidade de previsão, para alguns tipos de projetos, demonstrou‑se bastante razoável (cerca de 70%). Acreditamos que o resultado deste trabalho aponta para a viabilidade de uma ferramenta útil para auxiliar os técnicos no seu trabalho.
Fizemos também com a Inspeção‑Geral dos Serviços de Justiça (IGSJ) um protótipo inicial para a triagem de mail. Há muitas reclamações que são manualmente dirigidas para outros serviços, incluindo para serviços externos, e com base no historial de redireccionamento que forneceram, tentámos aferir a eficácia que teria de automatizar parte do processo de redireccionamento do mail. A componente desenvolvida pareceu‑nos viável, mas seria necessário desenvolver e testar ainda outras componentes para ter uma avaliação completa de uma solução. Este é um trabalho que esperamos poder prosseguir.
A criação de aplicações funcionais, integradas no sistema informático das entidades não é viável. É algo que depois fica a cargo das entidades. Por isso é sempre importante gerir as expectativas das entidades da AP neste aspeto. Normalmente há a ideia de que vamos deixar uma aplicação funcional e não é o caso. Uma aplicação funcional requer manutenção e garantias de funcionamento que nós não temos condições de fornecer, mas a entidade fica com ideia do que pode pedir a quem vier fazer a aplicação e pode também contactar‑nos para ajudar a passar conhecimento a quem fizer essa aplicação.
Muitas vezes, apesar de chamarmos Inteligência Artificial para a Administração Pública, nós, de facto, começamos com questões que têm que ver com os sistemas de informação usados, a qualidade da informação, os processos, que é um caminho para poder mais tarde fazer algo com os dados disponíveis.


A equipa do MAIPro é multidisciplinar. Que competências têm os seus membros?

A equipa inicial (no projeto IA- Incentivos) tinha o Professor Ricardo Paes Mamede (do Departamento de Economia e Políticas Públicas) o Professor Raúl Laureano (do Departamento de Métodos Quantitativos para Gestão e Economia) e o Professor Ricardo Ribeiro (do Departamento de Ciências e Tecnologias de Informação) especialista em Processamento de Língua Natural.
Ainda desta equipa, e que transitaram comigo para o projeto MAIPro, faziam parte a Professora Elsa Cardoso, que está mais ligada à visualização, qualidade de dados e a sistemas de business intelligence; a Professora Ana Almeida que está (como eu próprio) na área de Aprendizagem Automática e suas aplicações. Tivemos também, nesses projetos de fundos europeus, a colaboração da Dr.ª Susana Fernandes, que, tendo muita experiência na área do projeto, deu um contributo inestimável em ambos os projetos. Tivemos também bolseiros vindos das várias áreas, que formaram uma equipa fantástica.


Apesar de chamarmos Inteligência Artificial para a Administração Pública, nós, de facto, começamos com questões que têm que ver com os sistemas de informação usados, a qualidade da informação, os processos



Luís Nunes 1


Já viram alguns resultados do vosso trabalho serem implementados?

Estes projetos demoram algum tempo, pois há a fase de experimentar soluções, depois uma fase das entidades perceberem como é que vão utilizar essas ideias, encomendarem o produto e porem o produto a funcionar. Podemos mesmo não ter notícias do final de todo este processo. Julgo, porém, que decorreu ainda muito pouco tempo para que, nos casos em que trabalhámos até agora, se pudesse chegar à implementação de uma ferramenta que cause impacto direto.


Na apresentação do MAIPro refere‑se que pretende prever atempadamente a possibilidade de incumprimento de metas temporais ou financeiras, através de um sistema capaz de gerar alertas. Isto tem sido possível?

Conseguimos prever quais são os projetos que têm maior potencial para aprovação, conseguimos prever com alguma eficácia, quais os que têm maior risco de anulação. Quanto à previsão dos deslizes temporais e financeiros, os primeiros resultados foram desanimadores. Não temos ainda os dados necessários.


O Centro de Competências de Inteligência Artificial para a Administração Pública caminha no sentido de ser uma plataforma, uma porta aberta, para solicitações da AP nestes domínios?

Sim… Nós temos tentado publicitar o centro, nos meios académicos e não só: em conferências e workshops, que estão ligados de alguma maneira à AP. Temos tentado marcar presença e apresentar o que fazemos e de que maneira estamos prontos para receber esses pedidos. Isso tem gerado vários contactos, que têm produzido frutos. Temos já um grande número de dissertações baseadas em dados da AP anualmente.
Dependemos da nossa capacidade, principalmente do número de docentes disponíveis para orientar nesta área específica. Estamos também limitados pelo número de alunos. Tipicamente os dados são usados primeiro em dissertações de mestrado, ou em disciplinas de projeto, onde se faz uma exploração inicial. O número de alunos – os nossos orientandos – e o número de disciplinas que têm projetos na área é limitado.


Há a ideia de que o acesso público a dados torna a AP e consequentemente as sociedades mais transparentes…

Sim, e talvez este seja o tempo certo para as entidades da Administração Pública perceberem como podem fazer uso dos dados que têm disponíveis também para demonstrar essa transparência. Algumas já o fazem: a CML tem feito um excelente trabalho com o seu portal Lisboa Aberta e começa a colher benefícios dessa aposta.
É natural que haja algumas “dores de crescimento” associadas a este processo e que a primeira coisa que se perceba sejam as deficiências na qualidade dos dados, mas não há que ter medo desse embate, isso identificará lacunas que podem ser corrigidas e que tornarão os dados verdadeiramente úteis.
As entidades públicas precisam de ter políticas estáveis e conhecidas de anonimização e publicação da informação que detêm para que qualquer cidadão que queira fazê‑lo possa auditar o funcionamento das entidades e das políticas de uma área.
Devemos caminhar no sentido de ter, para qualquer conjunto de informação que uma entidade tutela, integrados, os procedimentos para a sua publicação ou uma justificação forte para que os dados não sejam tornados públicos. Quase toda a informação gerida pelas entidades públicas deveria ser pública e consultável. Isso provavelmente daria muitos temas interessantes de estudo.


As limitações previstas na lei sobre acesso a dados pessoais condicionam estes projetos?

A adaptação à atual legislação de privacidade dos dados tem dificultado bastante o trabalho nesta área. Deparamo‑nos com situações em que há muito interesse à partida, mas quando chega a altura de dar a informação não há, por um lado, um conhecimento detalhado do que é a legislação e quais são os seus limites – muitas vezes peca‑se por excesso, para “não correr o risco”. Por outro lado, há também muito pouca prática de fazer a transformação de informação de modo a retirar tudo aquilo que é crítico, e transformar tudo em dados que possam ser usados.
É um processo que começa agora a acontecer e que é essencial que todas as organizações aprendam a fazer para a informação que tutelam.


Voltar ao topo