ENSINO

Conhecer para melhor integrar estudantes dos PALOP



Carla Carvalho e Isaiete Jabula


CLARA CARVALHO

Professora Iscte Sociologia e Políticas Públicas

Investigadora CEI‑Iscte


ISAIETE JABULA

Investigadora CEI‑Iscte



O Iscte é a instituição de Ensino Superior que recebe mais alunos dos PALOP ao nível do segundo ciclo (mestrado) e muitos vêm para as ciências sociais



Carla Carvalho


Como é que se desencadeou este trabalho de “Caracterização, expetativas e constrangimentos” de estudantes dos PALOP em Portugal?

Clara Carvalho (CC) Há muitos anos que temos uma colaboração com o Instituto Politécnico de Leiria (IPL) graças a Maria Antónia Barreto, Professora‑coordenadora na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do IPL e investigadora do Centro de Estudos Internacionais (CEI-Iscte). Também já tínhamos trabalhado em conjunto com o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.
Apercebemo‑nos existir um grande incremento de alunos dos PALOP, para estudar no Iscte ou no IPL nos últimos anos. Este boom devia‑se particularmente à vinda de estudantes da Guine‑Bissau. Começamos a procurar informação, verificámos que era um quadro nacional, e resolvemos propor fazer um estudo aprofundado.
Apresentámos a proposta para este estudo ao Instituto Camões, dentro da linha de subsídios para a realização de estudos e conferências que disponibiliza. São apoios reduzidos quando comparados com a FCT, mas têm vantagens, pois são de resposta rápida e para ser realizados em curto prazo.

 

Que caracterização geral é possível fazer do estudante africano que vem estudar em Portugal?

CC Historicamente há dois regulamentos que permitem a vinda dos estudantes africanos, em particular dos PALOP, para frequentarem Instituições do Ensino Superior (IES) em Portugal, que enquadram esta realidade.
Um é o regulamento de 1999 – Contingente Especial alínea d), pelo qual os estudantes dos PALOP se candidatam nos próprios países, diretamente junto da Direção‑Geral do Ensino Superior. Há um determinado número de vagas que todos os grupos oferecem para os contingentes especiais. Definido como sendo aberto a estudantes bolseiros, este contingente especial era dirigido essencialmente a estudantes bolseiros da cooperação portuguesa e da Fundação Gulbenkian e que vão frequentar o 1.º ciclo de estudos.
Depois temos, em 2014, um regulamento sobre o estudante internacional, abrangendo todos os que estão fora do espaço universitário europeu. Estas candidaturas são feitas junto das universidades e politécnicos, para as vagas que disponibilizam e os estudantes podem ir para qualquer ciclo de estudos.

 

Que métodos foram usados neste projeto?

CC Nós fizemos vários tipos de análise neste projeto (PEPIP). A primeira foi sobre os dados disponibilizados pela DGEEC (Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência). Depois fizemos entrevistas às 20 instituições de ensino superior que receberam mais alunos entre 2015/16 e 2020/21. Fizemos entrevistas aos responsáveis pelo acolhimento destes estudantes, para perceber os principais mecanismos de inserção. E fizemos também um estudo junto de estudantes, focando‑nos nas associações académicas e núcleos de estudantes africanos.

 

Isaiete Jabula


Qual é, então, o perfil desses estudantes?

Isaiete Jabula (IJ) Os estudantes dos PALOP nas IES em Portugal apresentam características acontexto socioculturais e linguísticos diferentes, modelos de ensino diversos. Isto é muito visível nas condições socioeconómicas, por exemplo, se compararmos estudantes angolanos com os provenientes da Guiné‑Bissau.
A grande maioria dos estudantes chega sem posses, com exceção de Cabo Verde, de onde muitos vêm com bolsas do Estado, e de Angola, em que vêm com bolsas do Estado e de empresas.

CC O que está escrito no regulamento é que eles são todos bolseiros. Ao nível do Estado português o número de bolsas é irrisório, na casa das dezenas. No caso da Guiné‑Bissau houve uma proposta que foi aceite e que prevê que os alunos possam ser tutelados, por alguém da família ou de fora. Esse tutor assumiria a responsabilidade de apoiar o aluno enquanto ele estivesse a estudar em Portugal. Isto talvez ajude a explicar porque é que, de repente, tivemos um boom de estudantes da Guiné‑Bissau.

 


A grande maioria dos estudantes chega sem posses, com exceção de Cabo Verde, de onde muitos vêm com bolsas do Estado, e de Angola, em que vêm com bolsas do Estado e de empresas



Quais são os maiores constrangimentos que os estudantes dos PALOP expõem?

IJ A fase de conseguir visto foi a queixa transversal a estes estudantes, independentemente do país de origem. E também as dificuldades de integração, quando os estudantes chegam atrasados no novo ano letivo. Muitas vezes chegam no fim do primeiro semestre, são submetidos pouco depois a exame e, com medo de perder o ano letivo, continuam, mas o desempenho escolar revela‑se mau. Isto acontece sobretudo com os que vêm da Guiné‑Bissau, que se deparam com especiais dificuldades com a variante do português europeu e com o português académico. O estudante da Guiné pensava que sabia português, chega e constata que não é assim. Há também o problema de se adaptar ao clima, etc. Acontece ainda que muitos são trabalhadores‑estudantes.

 

Quais são as áreas de saber predominantes na escolha dos estudantes dos PALOP em Portugal?

 CC São as áreas de Administração, Gestão, Direito, embora também haja mutos alunos em Ciências Sociais. O Iscte é a instituição de Ensino Superior que recebe mais alunos ao nível do 2.º ciclo – mestrado.

 

Curiosamente, a instituição de Ensino Superior que recebe mais estudantes africanos é o Instituto Politécnico de Bragança (IPB).

CC Sim, o Instituto Politécnico de Bragança é um caso de sucesso. Há mais de uma década que têm uma política de crescimento através dos estudantes internacionais. Começaram, entre outros, com os estudantes dos PALOP e em particular com protocolos realizados com os municípios de Cabo Verde. Neste momento o IPB ultrapassa o número de estudantes dos PALOP da Universidade de Lisboa, que é a maior do país.
O IPB tem uma estratégia muito interessante, com práticas de receção e integração muito positivas, nomeadamente com residências universitárias, trabalhos em regime parcial, mesmo no campus. Há, aliás, muitas instituições de ensino superior do interior que têm seguido estas boas práticas e têm conseguido atrair estudantes dos PALOP. Isto também contribui para a internacionalização e para o crescimento de IES que, de outra forma, teriam mais dificuldade.

 

Para facilitar a integração há instituições que criam um ano zero para a adaptação dos estudantes. Por outro lado, há a questão da dificuldade de obter visto. Que recomendações saem deste Estudo?

CC Há aqui muitos problemas. O visto é para Portugal, mas também de entrada no espaço Schengen. Há, pois, limitações que se colocam a este visto, embora esteja em cima da mesa o visto CPLP. Ainda assim, o visto para estudante é o mais fácil de obter. A outra parte do problema é que os consulados estão assoberbados de trabalho. Depois, há o problema dos intermediários, que chegam a cobrar mil euros por uma marcação para obter o visto (o que não é legal).
É importante ver que, por vezes, os candidatos não utilizam a internet ou o computador, mas as redes sociais. Frequentemente têm dificuldade em escrever português e nem sempre conseguem perceber informações escritas, e isto cria um espaço para intermediários. Há ainda uma outra situação que tem a ver com falsos estudantes, que vêm para entrar no mercado de trabalho e, por vezes, apresentam documentos falsos, o que cria um problema extra aos consulados. Estamos a falar de países onde nem sempre existem exames nacionais.

 


As IES estão muito sensíveis a isto: estes contingentes de estudantes chegam com necessidades especiais e precisam de ações de grande proximidade



Em relação ao ano zero, há a possibilidade das universidades o proporem?

CC Algumas universidades estão a propor o Semestre Zero. Existe em universidades privadas, como a Universidade Lusófona, que é a terceira IES com mais estudantes dos PALOP, para os alunos internacionais. E como os alunos acabam por chegar muito tarde, por vezes, há também nas universidades públicas quem faça já isso, como a Universidade Nova de Lisboa, nas faculdades de Direito ou de Ciência e Tecnologia. Há outras instituições, como o Iscte, com o Laboratório de Competências Transversais, que são exemplo de boas práticas.

 

Em termos de procura, como é que se posicionam os vários PALOP?

IJ Angola é o país que tem ainda o maior contingente, a maior comunidade de estudantes (se tomarmos em conta o período de 2015 a 2021) mas a Guine‑Bissau é o país que tem crescido mais, por ano – praticamente triplicou desde 2018. Os estudantes de Angola andam pelos 25 mil, Cabo Verde pelos 22 mil e a Guine‑Bissau pelos 12 mil (nos últimos anos passaram de cinco mil a 12 mil).


Para um estudante que vem de fora, o Iscte é um mundo, um universo! O apadrinhamento dos novos estudantes é um instrumento que ajuda muito a conhecer a casa e que favorece a integração


 

Este estudo é um instrumento de apoio a políticas públicas nas relações bilaterais. Quais seriam outras boas práticas a adotar na integração destes estudantes, quer na receção quer no apoio?

IJ Como chegam de forma faseada, não há uma atividade de receção planeada; talvez fosse possível criar programas de mentoria que, acredito, para os guineenses podiam funcionar muito bem. Quando fiz o mestrado aqui em Estudos Africanos, a diretora, professora Ana Lúcia Sá, foi como a minha coach. Para um estudante (como eu) que vem de fora, o Iscte é um mundo, um universo! O apadrinhamento dos novos estudantes é um instrumento que ajuda muito a conhecer a casa e que favorece a integração.

CC A integração não é problema que se coloque apenas a estudantes dos PALOP, mas a todos os internacionais. São comuns os problemas relacionados com visto, com a chegada tardia, a chegada a conta gotas, que impedem que sejam recebidos naqueles eventos de acolhimento que os gabinetes Erasmus promovem. A atividade de mentoria é, portanto, essencial.
Ao longo do Estudo percebemos que as direções das IES estão muito sensíveis a isto: estes contingentes de estudantes chegam com necessidades especiais e precisam de ações de grande proximidade. Os estudantes também têm dificuldade na obtenção de documentos oficiais e uma das boas práticas que encontramos foi várias universidades albergarem um gabinete do Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM). O problema mais difícil de resolver é económico, porque há muitos alunos que lutam por sobreviver. É muito importante que o problema de não terem acesso à ação social seja resolvido.

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