EDITORIAL

A carreira de investigação nas universidades


Reitora Maria de Lurdes Rodrigues


MARIA DE LURDES RODRIGUES

Reitora



1. O regime de contratação de investigadores doutorados em instituições científicas e académicas, enquanto medida inscrita no Programa de Estímulo ao Emprego Científico 2017-2019, viabilizou a abertura de novos concursos – CEEC individuais e CEEC institucionais –, tendo sido celebrados contratos de trabalho, por seis anos, com garantia de pagamento das remunerações pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Este regime estabeleceu, ainda, uma norma transitória para os então bolseiros de pós-doutoramento, que, na sequência de procedimento concursal, puderam celebrar contrato de trabalho com as instituições onde desempenhavam funções.
Num espaço de tempo relativamente curto, milhares de investigadores doutorados integraram unidades de investigação, na maioria em contexto universitário, contribuindo para o alargamento e rejuvenescimento dos quadros e para a atenuação do carácter precário do vínculo laboral. A substituição de contratos de trabalho a termo por vínculos estáveis e duradouros é um passo indispensável para o crescimento e consolidação do sistema científico nacional, criando uma perspetiva de futuro para os investigadores mais jovens e contribuindo para contrariar os fluxos de brain drain.
No entanto, aqui chegados – em 2024, começam a chegar ao fim do prazo os primeiros contratos e, até 2029, terão o seu término os cerca de 2.500 contratos ativos celebrados ao abrigo deste Programa – é necessário criar uma carreira de investigação nas instituições do ensino superior e nas unidades de investigação do seu perímetro, tendo em vista a estabilização do emprego científico.
Em 2023, o Governo criou instrumentos de financiamento para o cumprimento deste compromisso: (1) o reforço dos orçamentos das IES e das unidades de I&D, para emprego científico, na ordem dos 20 milhões de euros; (2) a inclusão dos estudantes de doutoramento na fórmula de distribuição das dotações públicas de financiamento do ensino superior; (3) a abertura de um programa de apoio à contratação de investigadores por tempo indeterminado – FCT-Tenure.
A queda inesperada do Governo não permitiu que tivessem sido criados os mecanismos de articulação entre estes diferentes instrumentos, nem as garantias da sua continuidade. Porém, é necessário prosseguir o caminho iniciado e é muito importante que o financiamento agora disponibilizado seja gerador de condições de sustentabilidade futura.

2. No contexto do Programa de Estímulo ao Emprego Científico, emergiu um debate, ainda pouco sistematizado, sobre as vantagens e desvantagens da existência de uma carreira de investigação nas universidades. Enquanto uns saúdam o desenvolvimento do emprego científico como uma carreira autónoma, outros defendem que a investigação deve manter-se como uma componente da carreira docente. Os argumentos das partes merecem ser avaliados, sobretudo se descartados da retórica emocional gerada no calor da divergência em torno de uma medida de política.
Esta avaliação deve fazer-se em dois planos. Por um lado, em termos gerais, por referência a princípios de orientação da atividade científica e de regulação das relações de trabalho. Por outro, à luz da história do desenvolvimento do sistema científico em Portugal e da consolidação dos modos de organização da ciência, nomeadamente com a criação de centros e institutos de investigação e de linhas autónomas de financiamento.
Nas instituições universitárias, faz pouco sentido conceber a atividade de ensino sem uma componente de investigação, mas isso não significa que toda a investigação deva ser feita em contexto de ensino. O trabalho de investigação não tem o mesmo ritmo cíclico das atividades de ensino e a descoberta não se pode programar como se programam aulas e avaliações. Os investigadores requerem mais flexibilidade para organizarem o seu tempo e maior autonomia em relação às hierarquias académicas. A coexistência das duas carreiras obriga a reconhecer a possibilidade de circulação entre ambas. Docência e investigação são trajetos profissionais longos, admitindo-se que possa haver vontade e disponibilidade para alternar entre uma e outra. Recomendar-se-ia, pois, um debate sem pressas, dominado pela racionalidade, sobre as vantagens e modalidades daquela circulação.
O problema do emprego científico é hoje, acima de tudo, o da integração nas universidades.
Os investigadores têm plena consciência de que, apesar da precariedade e da incerteza da sua situação laboral, é deles que depende grande parte da atividade de investigação que se faz em Portugal. Apesar da sua precariedade, não graças a ela. A crítica ao emprego público na investigação, com um mínimo da estabilidade, e, em alternativa, o elogio da precariedade e da superioridade do privado são, neste como noutros casos, a expressão de uma vontade de domínio sem restrições no mundo das relações de trabalho, pelos que hoje nele ocupam, ou aspiram ocupar, uma posição protegida ou de comando.

3. É neste contexto que o Iscte-Instituto Universitário de Lisboa está a dar os primeiros passos para a criação de um quadro permanente de cerca de 70 investigadores, integrados numa carreira própria, nas nossas oito unidades de investigação. Em conformidade com esta aposta, e no âmbito das atividades do projeto InCITIES, o Iscte procurará alinhar os seus processos de recrutamento e de gestão das carreiras de investigação pelos standards europeus, tendo por base os princípios da Estratégia de Recursos Humanos para Investigadores (HRS4R). A candidatura à certificação Human Resources Excellence for Research, um selo da Comissão Europeia que distingue as instituições com boas práticas, é revelador da valorização e do reconhecimento da importância estratégica da atividade profissional dos investigadores na missão do Iscte.


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