TURSIMO

Avaliar a sustentabilidade do turismo europeu




SANDRA LOUREIRO

Professora  Iscte Business School

Investigadora  BRU-Iscte



Uma Marie Curie Post-Doctoral Fellowship trouxe uma investigadora do Montenegro para trabalhar no Iscte, num projeto que procura uma abordagem quantitativa e também qualitativa do turismo na forma como este impacta o ambiente e os locais. O grande desafio desta investigação é fazer essa radiografia setorial em 27 países europeus




O projeto TOURSUS-EU quer avaliar a sustentabilidade do turismo, através de uma abordagem macro e micro, de forma inovadora. Pode explicar?

Dizemos que é inovador porque faz um levantamento exaustivo de indicadores relacionados com a atividade turística de 27 países europeus. Analisa o turismo de massa, um turismo sobretudo urbano, com dados da própria Comissão Europeia, com os quais se verá a evolução ao longo do tempo – com diferentes picos, como aconteceu aquando da pandemia.
Por um lado, os turistas trazem rendimento para a população local, o turismo, economicamente, é uma atividade favorável, é uma exportação, mas, por outro lado, também causa problemas de sustentabilidade a nível económico, social e ambiental. Está em causa a poluição sonora, sim, mas também aspetos relacionados com não haver mais espaço para a própria população local poder viver.
A nível macro, vai tentar fazer-se um levantamento com diferentes países da União Europeia, ver a evolução do fluxo de turistas. São feitas entrevistas à população local para perceber o que as pessoas estão a percecionar; começámos já essa tarefa em Lisboa. No fundo, pretende-se perceber o que lhes causa transtorno relativamente à atividade turística. Pretende-se apurar o que se poderá fazer para mitigar os aspetos negativos.
Ao nível micro, foram selecionadas três cidades: Lisboa, Veneza e Split (Croácia). Em Lisboa já começamos a trabalhar, em Veneza a recolha de inquéritos desenvolve-se desde abril e, em Split, ocorrerá em outubro de 2024. Fazemos o levantamento de dados e depois faremos comparação entre as três cidades.

 

A que se deve a escolha, para a análise comparativa, dessas três cidades: Lisboa, Veneza e Split?

São cidades similares no que diz respeito à procura e oferta turística. As três recebem muitos turistas e têm um problema de over tourism. Será importante perceber se os fatores e as perceções da população local são semelhantes ou se mostram perspetivas diferentes. Queremos medir o impacto do turismo de massas através da análise de dados de destinos turísticos listados como Património Mundial da Unesco.

 

Quanto à metodologia, vão ser usadas grandes quantidades de dados da União Europeia sobre a atividade turística nos 27 países?

A proposta desta investigação baseia-se na utilização de conhecimentos e métodos analíticos de última geração: modelos de painéis dinâmicos, análise de séries temporais, análise de decisão multicritério e análise de big data. A série de dados que vamos analisar está balizada entre 2000 e 2024. Só desta forma é que podemos criar séries temporais, em painel, e depois utilizar técnicas econométricas para analisar essa evolução.


Há já zonas em Lisboa em que se funciona como em gueto, em que as pessoas não sabem bem como lidar com o outro. A insegurança deriva, então, da incompreensão de outras culturas



Há pontos-chave ou ângulos de observação identificados para fazer essa análise?

Dos dados que foram recolhidos em Lisboa já temos algo ao nível micro. Por exemplo, as pequenas e médias empresas – restaurantes, lojas – queixam- -se muito da parte da poluição sonora. Essa é, de resto, uma realidade que quem habita na capital conhece. A poluição sonora é o ruído causado pelo grande afluxo de turistas que acabam por beneficiar economicamente algumas pequenas, médias ou microempresas, mas, depois, a população também não consegue dormir. Outros pontos- -chave da análise identificam a poluição e depois os preços praticados.
Como os turistas podem pagar mais no alojamento local, isso inflaciona os preços das casas. O mesmo acontece com os bens de consumo, de alimentação e outros. E isto justifica-se pelo afluxo de turistas que, naturalmente, têm maior capacidade económica. As pessoas queixam-se de alguma insegurança, relacionada com o turismo, até porque muitos turistas acabam por beber demais e isso tem consequências. Há ainda um outro ponto-chave identificado: a imigração.

De que forma é que a imigração é conectada com o turismo?

A imigração é identificada como um problema porque as pessoas inquiridas consideram que pode trazer coisas positivas, mas pode também trazer outras negativas: têm alguma dificuldade em perceber a diferença de culturas, por não conhecerem a cultura do outro. Muitos empregados de restaurantes ou de entrega de comida são imigrantes. Pode haver aqui uma lacuna da parte das autoridades públicas, ao não encontrarem espaços e formas de as pessoas de culturas diferentes se conhecerem. Há já zonas em Lisboa em que se funciona como em gueto, em que as pessoas não sabem bem como lidar com o outro. A insegurança deriva, então, da incompreensão de outras culturas. Há também o lado das pessoas que são migrantes e que certamente também não percebem o lado dos portugueses. Os imigrantes também têm lojas e muitas vezes sentem-se fora do contexto. Há carência de diálogo intercultural entre as várias comunidades. A insegurança pode ser mútua.

Como se pode medir a sustentabilidade do turismo ou, por outras palavras, que metodologias e etapas este projeto vai seguir?

Na parte do trabalho de investigação mais micro, estamos a usar uma análise mais qualitativa, as entrevistas vão ser classificadas, vamos criar clusters e perceber exatamente, ao pormenor, quais são as grandes áreas positivas e negativas. Iremos comparar esses dados com os das outras cidades. Iremos também tentar ver se, com dados das próprias cidades, conseguimos criar um painel sobre cada uma com indicadores, como poluição, nível de ruído, evolução da atividade económica, etc., ao longo do tempo, e estabelecer uma correlação sobre a evolução desses indicadores. Isso ajudará a perceber como cada cidade se posiciona e o que está a tentar fazer para lidar com os problemas.
A análise mais macro parte dos dados da União Europeia, como a procura energética, rendimento per capita, níveis de CO2, consumo de água, etc. e, com esses dados reais, vamos fazer o cruzamento com a presença de turistas. Dessa forma, poderemos ter uma noção da evolução. Isso deverá ser feito ainda em 2024, sendo que o projeto termina em 2025. Iremos publicar artigos científicos e organizar eventos públicos, bem como a participação em conferências, para divulgar os dados recolhidos e partilhar o conhecimento.

Pelo que já foi dito, este é um trabalho de investigação muito exaustivo. Há uma equipa a trabalhar nele?

Neste momento é a Ana Gardasevic* que está a trabalhar neste projeto com apoio de um aluno de mestrado. Temos também o envolvimento de pessoas de outros países, nomeadamente em Itália e na Croácia, respetivamente na Università Ca’ Foscari e na Universidade de Split. Há professores dessas universidades a trabalhar neste projeto, embora esteja sediado no Iscte. Devo sublinhar que não foi fácil conseguir uma Marie Curie Post-Doctoral Fellowship, sobretudo sendo um projeto associado à sustentabilidade, que é um tema tão caro ao Iscte.


*

Ana Gardasevic


No seguimento do concurso de Bolsas de Pós-Doutoramento MSCA do Horizonte Europa em 2022, uma das candidaturas que teve a BRU-Iscte como instituição de acolhimento foi bem-sucedida. E assim, Ana Gardasevic, do Montenegro, chegou a Lisboa em julho, para realizar o projeto TOURSUS-EU – Assessing Tourism Sustainability in the EU Region: A Quantitative Approach, projeto supervisionado por Sandra Loureiro.

A proposta TOURSUS-EU tem por objetivo contribuir para a definição e a transição para um modelo de turismo mais sustentável, pretendendo introduzir uma nova abordagem para medir o impacto do turismo de massas na economia e na sociedade, o que constitui um dos principais problemas da UE. A investigadora montenegrina diz que está, até ao momento, muito satisfeita com este desafio que abraçou no Iscte.


Finalmente, quanto a resultados e evidências finais no projeto, o que podemos esperar?

Teremos uma série de guidelines, com recomendações para estas três cidades. Uma espécie de carta branca com recomendações, mas sem os resultados. Um documento soft.
Por isso, seria depois interessante fazer também um evento aqui no Iscte, com o Turismo de Portugal e outras entidades.
Por outro lado, o Marie Curie tem como indicador que o próprio investigador, neste caso a Ana Gardasevic, seja alavancado como mais-valia para a investigação. Ela é uma investigadora com fortes skills na parte econométrica, quantitativa, mas não se sentia tão à vontade na parte qualitativa. Uma das mais-valia vai ser enriquecer-se com conhecimentos de mix aproach do quantitativo e do qualitativo. Será uma mais-valia para ela enquanto investigadora. Esperamos também poder fornecer aos decisores políticos um quadro mais claro para a gestão do Turismo na União Europeia e nas cidades da UNESCO, contribuindo para que a pegada de carbono global no turismo se situe abaixo dos 8% (valor atual de referência para as emissões globais de carbono resultantes da atividade turística).

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