Professor Iscte Tecnologias e Arquitetura
Diretor e Investigador Instituto de Telecomunicações – IT Iscte
Este não é, ainda, um projeto de investigação formal. Em que fase é que está a proposta?
Estamos numa fase embrionária. Para haver um test-bed temos de ter, neste caso, a fibra multinúcleo num ambiente real – é a chave de um test-bed! Há contactos avançados com empresas, especialmente com uma empresa europeia fabricante dessa fibra, a Heraeus Quarzglas GmbH & Co, para disponibilizar um cabo de fibra multinúcleo.
Precisamos que esse fabricante contacte as empresas que produzem os cabos porque, além da fibra multinúcleo, há que disponibilizar um cabo que assegure, entre outras coisas, a robustez mecânica para instalar a fibra sem a danificar. Precisamos, também, de uma instituição, em Portugal, que disponibilize a infraestrutura, ou seja, o espaço e ambiente real necessários para instalar o cabo e fazer os testes de comunicação. Neste momento, já temos um acordo com o Metropolitano de Lisboa para instalar, na linha Amarela, um cabo de fibra multinúcleo.
Tudo é bastante demorado. O processo iniciou- -se em julho de 2023. Tive uma primeira conversa com um fabricante de fibra que mostrou abertura para colaborar. Transmitimos essa disponibilidade à Reitoria do Iscte e esta, através do Vice-Reitor para a Investigação e Modernização Tecnológica, professor Jorge Costa, mostrou abertura para apoiar, na medida do possível, o projeto.
No concreto, o que é testado? Qual é a vossa proposta de investigação?
O que nos propomos com este test bed/i> é testar em ambiente real a qualidade e limitações de transmissão de vários tipos de fibra multinúcleo. Isto aparece na sequência daquilo que andamos há uns anos a experimentar no nosso laboratório no Iscte. No test bed/i>, faremos testes e medições com vários tipos de fibra multinúcleo em ambiente real, o que constitui a inovação. Este tipo de fibra permite aumentar substancialmente a capacidade de transmissão, a largura de banda, por ser multinúcleo – ao invés das fibras que estão agora instaladas, que só têm um núcleo. Portanto, com uma fibra com muitos núcleos, conseguiremos multiplicar a capacidade que tínhamos em cada um daqueles núcleos. Por exemplo, se tivermos uma fibra com dois núcleos, duplicamos a capacidade, e assim por diante.
Há um aumento proporcional da capacidade de transmissão relativamente ao número de núcleos?
As fibras multinúcleo podem ser fabricadas com um número muito diferente de núcleos. Por exemplo, a que temos no nosso laboratório tem 19 núcleos; as do fabricante que está connosco no projeto têm sete e quatro núcleos.
O primeiro sistema de telecomunicações com MCF foi apresentado para uma ligação de cabo submarino no Pacífico, com fibra ótica de dois núcleos.
A empresa japonesa Sumitomo Electric é responsável pela primeira produção mundial de MCF em massa, que começou em 2023 e considera uma fibra com dois núcleos.
E por que é tão importante testar em ambiente real?
Primeiro, pelo facto de termos um meio de transmissão, neste caso uma fibra, que tem caraterísticas diferentes das fibras usadas nas redes atuais. Na realidade, só há um cabo submarino que foi apresentado no ano passado, ligando Taiwan, Filipinas e Estados Unidos*, com uma fibra com dois núcleos. É utilizada para transmissão de conteúdos gerais. Segundo, porque o desempenho da fibra multinúcleo depende das condições ambientais e, em particular, do stress mecânico a que a fibra está sujeita. Este stress é muito diferente no laboratório (onde se encontra em bobinas com diâmetros de algumas dezenas de centímetros) e nas redes comerciais onde estará instalada em ductos ou suspensa em postes.
O que importa na transmissão por fibra são os bits, pois toda a informação está codificada em bits, independentemente da origem, sejam filmes, música, conversas telefónicas ou acesso à Internet. Importa-nos que a fibra consiga transmitir mais bits por segundo.
A ideia é reduzir custo por bit. Se aumentarmos o número de núcleos, numa mesma fibra, no mesmo espaço – um cabo muito pequeno pode ter algumas dezenas ou centenas de fibras! – estaremos a transmitir mais bits. E se o custo de instalação é o mesmo, isso permite ter um custo final mais baixo. É o que tem feito progredir esta pesquisa!
A investigação tem, pois, o propósito de aumentar a capacidade, reduzindo simultaneamente custos de transmissão?
Se aumentássemos a capacidade e o custo fosse proporcional, economicamente não valeria a pena. Atualmente as fibras instaladas e exploradas comercialmente só têm um núcleo. A ideia é aumentarmos a complexidade, mas com a perspetiva de reduzir custos.
Na cidade de L’Aquila há um test bed/i> semelhante, mas de dimensões bastante mais reduzidas comparativamente ao que pretendemos concretizar. L’Aquila foi sacudida por um terramoto há uns anos. Tiveram de reestruturar todas as infraestruturas urbanas, aproveitaram para fazer novas condutas e instalaram lá um test bed/i>.
O nosso test bed/i>, no entanto, será o primeiro de demonstração a utilizar a MCF em ambiente de stress significativo para a transmissão de informação e com alcances que podem atingir centenas de quilómetros.
No ambiente do túnel do Metropolitano existe uma pressão, que é variável no tempo, devida ao túnel de ar, ao movimento do comboio que exerce uma pressão mecânica de trepidação, sendo reconhecido que as características de transmissão das fibras multinúcleo são altamente afetadas quando a fibra fica sob stress mecânico. Encaramos esta nossa investigação como uma contribuição chave para o desenvolvimento deste tipo de fibra em situações de transmissão que são potencialmente adversas.
Que equipa está a desenvolver o trabalho nesta fase inicial?
Neste momento, a equipa são três docentes do Iscte, membros do IT, e têm feito simulação e trabalho experimental em laboratório. As minhas atividades no projeto são essencialmente de gestão. Temos um problema: a escassa disponibilidade das pessoas, devido às suas atividades letivas. No meu entender, fazer um investimento numa infraestrutura deste género não se coaduna com ações de investigação em part-time. Esta equipa não irá fazer as instalações, mas temos a nosso cargo as experiências de transmissão e de medição de qualidade. É preciso ter pelo menos um investigador (preferencialmente dois), com experiência em trabalho experimental em Comunicações Óticas, a trabalhar a tempo inteiro. Dito de outra forma, podemos não ser ultrapassados no processo de instalação, mas corremos o risco de o ser no processo de obtenção de resultados.
O financiamento de uma proposta de investigação como esta enquadra-se em alguma linha de financiamento europeu?
Pensando naquela experiência de L’Aquila, tanto quanto sei, esse projeto também só tem financiamento nacional, pois a infraestrutura serve essencialmente Itália. Penso que, por cá, face a um projeto como este, por exemplo a Agência de Inovação e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia poderiam dar uma resposta de apoio.
Há uma estimativa de custos?
Estamos nessa fase. Este é um processo moroso, embora, pela sua natureza, o projeto deve ser executado rapidamente, caso contrário perde o interesse e o valor.
Os custos que para já podemos estimar prendem-se com os custos das fibras, a que acrescem os custos com o fabrico do cabo compatível, cuja instalação incorre em custos que também já estimamos. Além do cabo que vai ligar um ponto a outro, precisaremos de ter pontos de acesso para testar situações distintas de transmissão. Tudo isto implica custos adicionais em termos do equipamento e, como é uma tecnologia de ponta, são equipamentos com um preço consideravelmente elevado. Também os custos adicionais dos recursos humanos já foram estimados.
Têm já um cronograma de execução?
Gostaríamos de ter, até ao final deste ano, o test- -bed instalado. Porém, as empresas parceiras propõem que, em vez de termos só um tipo de fibra multinúcleo, testemos vários tipos de fibra e diferentes situações – o que é compreensível. Sendo realista, seria ótimo daqui a um ano termos o test bed/i> disponível. O cabo vai ligar-se ao nosso laboratório (do IT) no Edifício 2 do Iscte, daí irá por uma conduta para a rede de Metropolitano e depois circulará na linha Amarela, que passa a uma centena de metros do laboratório do IT no Iscte. Depois de circular ao longo da linha Amarela, volta novamente ao nosso laboratório. Esta é a forma de conseguirmos fazer as verificações sem termos de ir para as instalações do Metro de Lisboa.