Professor Iscte-Sintra
Investigador Instituto de Telecomunicações – polo Iscte
Este projeto tem duas grandes componentes, uma ligada à economia e outra à tecnologia. Qual é o seu principal objetivo?
O projeto envolve investigadores de dois centros de investigação, a BRU-Iscte e o polo IT-Iscte que são dois pilares essenciais. O objetivo central do SmartVitiNet – Smart and Sustainable Drone-Assisted Viticulture Excellence Network (Rede de Excelência da Viticultura Sustentável e Inteligente Suportada por Drones) é detetar stresses, doenças e problemas para poder resolvê-los. Pretende-se alcançar formas de produção mais eficazes e mais eficientes, através da transição digital, desafio a que a agricultura não escapa.
Tecnologia e organização do trabalho, por um lado, para saber como podemos começar a utilizar os drones, com um conjunto de sensores e com um conjunto de processadores que existem hoje. E já estamos a fazê-lo com outros parceiros, que envolvem a academia e a indústria – trabalhamos com startups ligadas a drones. Por outro lado, há a necessidade de conhecer os novos requisitos do que será o posto de trabalho, área que está a cargo da equipa da Professora Sofia Kalakou (BRU-Iscte), que avalia como será o trabalhador que vai ter de lidar com estas novas tecnologias: que tipo de formação vai precisar e como é que uma empresa vai prestar serviço a um agricultor com o suporte de drones.
Como se estabelece a articulação entre os dois pilares?
A nossa caminhada consiste na criação de um centro de competências ao nível destas áreas, com vídeos e outros conteúdos a explicar que tipo de equipamento está disponível, a sua interligação a plataformas e como pode ser utilizado. A equipa do IT-Iscte está a desenvolver e a testar, de forma experimental, em parceiros que têm vinhas espalhadas pelos parceiros europeus do projeto. Em Portugal, temos três parceiros end users. A nossa equipa vai ao terreno fazer os voos e tentar identificar e recolher toda a informação possível através de câmaras RGB, câmaras térmicas e câmaras multiespectrais (permitem monitorizar pequenas alterações na radiação visível, infravermelha e outros comprimentos de onda, refletida pela planta). Depois vamos conjugar toda essa informação num contexto de big data (ciência de dados) e, trabalhando-a, poderemos traçar um objetivo que extravasa a transição digital, englobando as questões ambientais (como posso minimizar/reduzir recursos hídricos, fitofármacos, fertilizantes, etc.).
Isto está a ser testado em vinhas completamente biológicas, mas que necessitam de informação para uma produção mais sustentável. Estamos numa fase experimental, em que estamos ainda a testar os algoritmos. Em Portugal, por exemplo, isso está a ser testado em dois end users a norte, na região do Douro (nas vinhas da Ribadouro e Casa do Joa) e, num terceiro, na zona de Sintra/Colares (nos Vinhos Ramilo).
Em que consiste esta fase experimental?
Desenvolvemos os testes em projeto piloto, só depois se passa à implementação. Convém termos consciência que há uma diferença entre minifúndio e latifúndio. Isto está a ser testado num ambiente de minifúndio, porque num latifúndio utiliza-se outro tipo de drones de asa fixa, aviões, etc. Nós estamos a utilizar um drone de descolagem vertical. Temos acesso e mexemos na plataforma, criámos uma série de opções dando sequência ao mission plan. Também acompanhamos agricultores modernos, interessados na transição digital, ensinando-os a pôr a funcionar este mecanismo: é preciso ir à plataforma, recolher os dados que são obtidos pelo sobrevoo em reconhecimento, e, com base nos algoritmos que estão na plataforma, são passadas as recomendações para um outro drone, que as irá implementar.
Qual é o papel dos parceiros da Grécia, Chipre e França?
Tanto a Grécia como o Chipre têm end users no projeto para fazerem também testes e os drones ou estão cá ou vão para esses países. Na viticultura, este tipo de trabalhos tem de ser mapeados em épocas de campanhas completas, para podermos observar as várias fases, desde a poda até à altura da apanha da uva.
O projeto tem algumas limitações em termos do equipamento disponível?
Há limitações, sim. Seria importante, por exemplo, que em Portugal houvesse equipamentos no norte e no sul durante toda a campanha. Mas estes drones são caros e o financiamento, que vem da Comissão Europeia, permite apenas a partilha dos drones pelos vários parceiros.
Existem, ou já foram desenvolvidos, projetos parecidos com este?
O Iscte foi fundador do Laboratório Colaborativo na Área da Agricultura Digital – Smart Farm CoLab (*). Com esse laboratório, iniciámos a transição digital no setor agrícola, através do casamento de drones e sensores, alguns enterrados no solo, mas também em plataformas de gestão para prever a colheita e sabermos qual o impacto económico, social e ambiental de uma produção agrícola.
Iniciámos também cursos para os novos agricultores, que já têm de estar adaptados a um outro mindset: a produção biológica, numa fase inicial, necessita de um balanceamento de recursos. Em síntese, temos explorado estes temas em outros projetos apoiados pela Europa ou a nível nacional. Tivemos um projeto mobilizador no âmbito do Smart Farm CoLab que envolveu um consórcio de cerca de vinte entidades, entre indústria, autarquias e organizações do sistema científico nacional. Fizemos coisas com o suporte de drones e de veículos elétricos, por exemplo, nas novas formas de pulverização. Nesse caso, em vez de ser com um trator, usámos um veículo elétrico com um braço robótico para fazer a pulverização, explorar a apanha de fruta num pomar ou de tomate na horta, avaliando desde logo o produto em termos de maturação. Creio que temos contribuído para o desenvolvimento de “uns brinquedos” no sentido da digitalização e automação do trabalho.
Como é que o Iscte integrou este projeto?
É frequente que os projetos partilhados aconteçam muitas vezes através das redes de contactos que os investigadores têm. Este projeto é liderado pela Universidade de Agronomia de Atenas e veio para o Iscte graças à Professora Sofia Kalakou, que tem essa ponte com a Grécia. O Iscte tem competências em variadas áreas, desde os sistemas de informação às ciências sociais, à gestão, etc. Com todo o know-how que temos aqui precisamos apenas de “pôr a orquestra a funcionar”. No caso do projeto, juntámos duas áreas: tecnologia de comunicações e processamento e áreas de gestão e também sustentabilidade na sua globalidade.
O Iscte tem como orientação estratégica a investigação interdisciplinar. Revê-se nesta visão?
Totalmente. Creio que isso está na origem da nossa investigação. Não sou fundamentalista, mas já há alguns anos que penso que a colaboração tem de ser, cada vez mais, multidisciplinar. E, no momento atual do avanço científico, o que é fundamental é juntar pessoas, ter ideias inovadoras e fazer o produto ou serviço inovador ser suportado pela ciência. O Iscte tem todas as características para fazer esse casamento e as pessoas que aqui trabalham são, do ponto de vista humano também, muito boas e capazes de fazer estas pontes.
«Hoje a investigação não pode ser só focada nos papers. Requer-se transferência tecnológica, de informação e conhecimento, para influenciar a decisão e as políticas públicas. Defendi isso mesmo na minha lição para a Agregação, intitulada «Da ciência para o mercado».
Acredito que o Iscte tem características diferenciadoras e únicas desde a sua fundação e junta um conjunto de escolas que têm esse know-how.
O Iscte-Sintra, por exemplo, utiliza muito uma metodologia que assenta em desenvolver novos produtos e processos baseados em inovação.
O que mais me fascina é criar coisas que funcionam, não ficam só no papel. E deixar marca.
Havendo outros parceiros em fusos horários diferentes e limitações de orçamento, como tem decorrido o trabalho colaborativo?
Há um road map e o desenho de uma linha do tempo, sabemos quais são as tarefas que cada parceiro tem de desenvolver e temos cumprido. E, com as reuniões predominantemente online, vamos dando e recebendo indicações.
Em relação aos resultados deste projeto, o que é possível adiantar?
Haverá um workshop final, como em todos os projetos. Em relação a resultados para a sociedade, vamos ficar com um Centro de Competências em que os viticultores que acompanham este processo podem ter formação, podem esclarecer dúvidas, saber que tipo de competências futuras os seus recursos humanos vão precisar. Esse centro a nível europeu é o chapéu da Comissão Europeia. Para esse centro já estamos a fazer vídeos didáticos, que vão desde o tirar o drone da embalagem, explicar como proceder, ir ao terreno. Haverá uma plataforma disponibilizada totalmente aberta.