Professora Iscte Business School
Investigadora BRU-Iscte
“Perceções de exploração nas relações de trabalho: impacto na saúde e comportamento dos colaboradores" é o foco do projeto *EWRI* (*Exploitative working relationships: Impact on employees health and behaviors*), que lidera. Qual o principal objetivo desta investigação?
A primeira ideia foi olhar para as nossas organizações, para a natureza do trabalho de hoje em dia e verificar que a exploração ainda é uma realidade, só mudou de forma. E não acontece apenas nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, acontece aqui e, muitas vezes, ao nosso lado e em trabalhos que eram e são vistos como prestigiantes. No entanto, verifica-se esta dimensão das organizações estarem a fazer uso do trabalho dos colaboradores e não darem grande coisa em troca.
Em síntese, este projeto propõe-se repensar as organizações em Portugal e verificar que a exploração não acontece apenas noutros sítios. Queremos saber se as perceções de exploração dos trabalhadores têm consequências negativas para a sua saúde e comportamentos subsequentes e se existem fatores a nível individual que atenuam ou amplificam os efeitos da perceção da exploração.
Todos os dias vemos culturas de excesso de trabalho, justamente em países desenvolvidos. Há muita pressão para trabalhar demasiadas horas (às vezes, 80 horas/semana), os recursos humanos estão constantemente a ser controlados e é-lhes exigido cada vez mais.
Como é constituída a equipa e qual o seu ponto de partida?
O projeto inclui investigadores de Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. Temos uma equipa internacional e a possibilidade de ver se os modelos propostos são semelhantes entre os países, se a perceção das pessoas quando são exploradas é idêntica.
Faz parte da equipa, além de mim, a Professora Jacqueline Coyle-Shapiro, da *London School of Economics and Political Sciences*, que integra o *International Scientific Advisory Board* da *BRU-Iscte*, com quem trabalho desde o meu doutoramento.
A Professora Teresa de Oliveira, na Grã-Bretanha, faz investigação que usa tecnologia para medir a qualidade do sono, e analisa em que medida as condições de trabalho afetam os padrões de sono. Há ainda uma outra colega dos Estados Unidos, a Professora Lynn Shore, que faz investigação na área de relações empregados-organizações. Posteriormente, completamos esta equipa multidisciplinar com uma investigadora de pós-doutoramento e um assistente de investigação.
Este projeto procura uma “mudança de lente": deixamos de percecionar as relações de trabalho como algo de bom, onde de vez em quando acontece algo de mal, e passamos a ver que as relações de trabalho podem ter uma natureza negativa. Em vez de analisarmos grupos explorados, vemos como cada pessoa avalia a qualidade do seu trabalho diário e as suas relações com o chefe e com os colegas e, a partir daí, constrói uma perceção de exploração. Isto acontece em qualquer profissão, desde os médicos às senhoras da limpeza.
A perceção de exploração é algo que a própria pessoa pensa e sente, e não estamos a falar apenas de grupos específicos como os imigrantes, cuja temática é já objeto de investigação. Não se conhecem a prevalência destas perceções noutras profissões/ocupações. Os estudos iniciais mostram que os médicos internos e os trabalhadores na área da construção têm estas perceções: sentem que as organizações onde trabalham estão a tirar vantagem, sem a consequente valorização – queremos entender mais sobre isto.
Mais do que comparar estas perceções de exploração, queremos verificar se, em vários países desenvolvidos, em diferentes áreas geográficas e com diferentes desempenhos económicos, a perceção de exploração é prevalente e qual o seu impacto.
A questão da exploração está diretamente relacionada com a perceção do valor da retribuição, mas ultrapassa este aspeto?
Sim. Já temos resultados de dois estudos qualitativos, a partir de entrevistas no setor da saúde. Conseguimos uma amostra diversificada de médicos, técnicos, operacionais. Estes identificam, claramente, uma parte estrutural da exploração. Dizem, por exemplo, que “o banco de horas não funciona bem", “não sou remunerado adequadamente", e esta parte estrutural da perceção de exploração, na área da saúde, está ligada às condições de ineficiência das organizações. Apontam também o facto de não terem os equipamentos e os materiais necessários.
Mobilizar a estrutura organizacional, tratar bem as pessoas e fazê-lo o melhor possível torna-se, assim uma consequência do empenho dos próprios funcionários. Nas entrevistas capturamos esta dimensão que os empregados acabam por aceitar – reconhecendo que não a conseguem resolver – por muito que se sintam indignados, tristes e envolvidos por emoções negativas.
Verifica-se também uma dimensão relacional?
Sim. Muitos entrevistados dão conta de que a questão da lealdade e da vocação acaba por ser uma arma para a exploração e que são as chefias intermédias que fazem esses apelos, reforçando a questão estrutural. São os chamados “facilitadores". E isto já foi, este ano, validado no Reino Unido e nos Estados Unidos, em experiências muito recentes que concluíram que os trabalhadores mais leais são os alvos mais fáceis para ser explorados.Nas entrevistas, os profissionais de saúde dizem: “nós somos só um número". Isto é triste, porque se trata de um grupo essencial para o funcionamento de qualquer sociedade. Na auscultação de trabalhadores da saúde em grupos privados o resultado foi ligeiramente melhor.
As entrevistas são muito ricas e as pessoas usam muito o “eles" para falar dos supervisores ou chefias intermédias como representantes da organização. O projeto também quis perceber como é que estes trabalhadores da área saúde, que com a Covid-19 eram os heróis porque tinham amor à profissão, são o “alvo ideal" para as suas organizações.
Qual foi a incidência do segundo estudo?
Tentámos perceber se isto acontecia noutros setores, com uma amostra mais diversificada. Os entrevistados falam da organização como se estivessem a falar das características de uma outra pessoa e dizem claramente: “tira vantagem de nós", “não querem saber das nossas necessidades", “não estão preocupados com o nosso bem-estar", ou seja, há a perceção de se sentirem estar a ser explorados por alguém.
No acompanhamento, aproveitámos as respostas às primeiras entrevistas para aprofundar as perceções de exploração. No dia a dia, não há uma consciência de que aquilo tem um valor de exploração, mas mais tarde, a maioria assumiu que os cenários correspondiam a uma tentativa de a organização tirar vantagem sem dar nada em troca.
Na segunda parte da investigação, de natureza quantitativa, vamos avaliar os níveis de intensidade da exploração, pois existem vários aspetos estruturais e relacionais neste contexto. Será mais diversificada e envolve professores, técnicos de informática, engenheiros – são cerca de 30 pessoas de diferentes áreas.
Que metodologias foram utilizadas para a realização do estudo?
Utilizámos uma abordagem de métodos mistos. Planeámos entrevistas, experiências e inquéritos para investigar de que forma a exploração está relacionada com a saúde e os comportamentos dos trabalhadores. Vamos medir os resultados de saúde, com recurso à tecnologia dos smartwatches. Numa segunda fase da investigação, manipulámos os dados e construímos alguns resultados; criámos um questionário, que pedimos às pessoas que respondessem por fases.
Identificámos assim níveis de exploração: ausência de exploração, um nível médio e outro elevado. Encontrámos diferenças entre a ausência e o nível elevado de exploração, mas nem sempre entre o nível médio e o elevado; ou seja, as pessoas, quando se sentem exploradas, identificam logo um nível máximo.
Estamos à procura de um limiar que nos responda onde está o limite, qual a tolerância a uma relação desta natureza. Tentámos manipular a intensidade e a frequência, mas entre o médio e o alto não há muita diferença. Na perceção de exploração são afetados os recursos cognitivos da pessoa e também a sua parte emocional.
Qual é o papel dos smartwatches no âmbito deste projeto?
Essa é uma parte mais complexa do projeto, porque exige autorizações e consentimento dos participantes que têm de colocar o relógio que vai registar qualidade do sono, níveis de stress, exercício físico, entre outros fatores.
Estamos muito interessados na qualidade do sono, assunto que alimenta conferências, como o sono dos trabalhadores por turno, etc. A nossa ideia é perceber se as pessoas reportam que são exploradas no trabalho e como é que isso afeta o seu sono e a sua saúde. Os participantes vão andar com *smartwatches* pelo menos 10 dias, para termos uma referência e podermos observar um padrão. Com estes aparelhos queremos ver se a parte física é afetada e de que forma o é.
Os resultados desta investigação sobre a realidade dos trabalhadores especializados nas organizações não parecem muito animadores. É possível que o estudo produza recomendações para políticas públicas?
Em 2025, gostaríamos de preparar alguns seminários de difusão com resultados do projeto. A ideia é reunir pessoas das organizações das áreas onde conseguimos chegar e mostrar os resultados. Esperamos que possa haver impacto, que as pessoas fiquem alerta e decidam agir. Há ainda a criação de um site, em português e inglês, para difundir os resultados. Gostava apenas de acrescentar que para estudar exploração nas organizações deparamo-nos naturalmente com resistência. É um tema negativo e muito sensível. Nós não pretendemos saber se as organizações exploram as pessoas, mas se as pessoas se sentem exploradas nas organizações.
«Acreditamos que os nossos resultados irão influenciar a forma como as organizações, gestores e trabalhadores encaram a relação de trabalho e o seu impacto mais amplo, nomeadamente em termos da prevalência de perceções de relações de trabalho exploradoras, do seu impacto na saúde individual e coletiva e das ferramentas que podem ser utilizadas para minimizar (e em algumas circunstâncias prevenir) este impacto negativo.
Poderá ter impacto nas políticas e estratégias organizacionais na prossecução de um local de trabalho digno e saudável e potencial para estimular debates e mais investigação sobre o que as organizações fazem quando enfrentam constrangimentos económicos. Por fim, pretende estabelecer caminhos para evitar a exploração dos trabalhadores.
Esta investigação tem características inéditas e inovadoras no panorama da gestão e estratégia de recursos humanos.»