Investigador CIS-Iscte
Liderou a rede COST Action: Rural NEET e é o investigador principal do projeto «Tr@ck‑IN Public employment services tracking effectiveness in supporting rural NEETs», financiado pelo Youth Employment Fund. O que liga estes dois projetos?
Apercebi‑me que havia muito pouco conhecimento e informação disponível sobre os jovens que não estão empregados, nem a estudar, nas zonas rurais da Europa. Essa perceção baseava‑se numa experiência pessoal. Durante anos, trabalhei como gestor de projetos sociais no terceiro setor, precisamente com estes jovens. Por outro lado, as estatísticas internacionais do Eurostat mostram que este problema tinha muito mais incidência nas zonas rurais do que nas zonas urbanas e suburbanas, especialmente nos países do sul e leste da Europa. Reunimos um grupo de investigadores com interesses próximos e, a partir daí, organizámos uma rede de conhecimento e de cooperação transnacional, em colaboração com entidades públicas, e também com o terceiro setor.
A rede Rural NEET Youth Network foi proposta em 2018, no âmbito das ações COST (European Cooperation in Science and Technology) que fazem parte do Programa Horizonte Europa. Com os parceiros, começámos por fazer o desenho da situação dos jovens com estas caraterísticas NEET (Not in Education, Employment or Training) ao nível do emprego, da inclusão social, das oportunidades da economia, sobretudo na agricultura. Depois, fomos percebendo que uma das questões recorrentes era o facto de os serviços públicos de emprego, nestas regiões, terem alguma falta de resposta, seja por escassez de recursos ou por falta de autonomia técnica, ou até a inexistência de serviços no próprio terreno.
Apresentámos um projeto que se dispunha a tentar perceber qual é o papel que os serviços de emprego e formação têm ou tiveram durante a pandemia, fase em que se verificou um processo de digitalização muito acentuado, qual o seu nível de eficácia comparando países do sul, do leste e do Báltico.
Quais foram os países sobre os quais a investigação se debruçou?
Portugal, Itália, Espanha, Bulgária e Roménia, Estónia e Lituânia. No caso dos Estados bálticos, havia um interesse acrescido por serem países com um nível de digitalização muito elevado. A ideia subjacente era verificar se havia alguma diferença entre países, para podermos fazer uma comparação e perceber onde poderia haver uma atualização adequada dos serviços para dar resposta aos jovens.
Quais foram as principais conclusões do projeto?
Em todos os países, embora com ritmos diferentes, houve uma aceleração do acompanhamento digital. Países como a Estónia já tinham infraestruturas muito preparadas; outros nem tanto, como a Bulgária ou Portugal, mas tiveram de avançar nesse sentido. Percebe‑se que, usando ferramentas digitais de forma competente, se consegue operacionalizar uma comunicação mais próxima da usada pelas gerações mais jovens e, nos meios rurais, chegamos mais facilmente a jovens que podem estar muito isolados. Na Europa, nem sempre é fácil os serviços chegarem a zonas mais montanhosas ou a regiões mais periféricas, como não é fácil chegarem a determinados subgrupos da população. Temos dados que mostram que as mulheres jovens, em situação de inatividade, acabam por recorrer aos serviços com maior regularidade se tiverem um canal digital disponível. Uma dificuldade com que se deparam é precisamente deslocarem‑se presencialmente a um serviço, porque têm um familiar ao seu cuidado, seja criança ou idoso.
Identifica riscos associados à digitalização crescente dos serviços?
Percebe‑se que a digitalização, em vez de reduzir, pode aumentar os aspetos burocráticos no contacto com os jovens. Utilizam, nesse contacto, determinadas ferramentas baseadas em algoritmos, suscetíveis de simplificar a situação dos jovens que se encontram em vias de exclusão. Mas essas ferramentas não permitem dar conta da diversidade das situações, fazendo com que a resposta seja sobretudo burocrática.
Não é igual acompanhar e traçar o perfil digital de alguém que tem formação superior, ou fazê‑lo no caso de um jovem do meio rural, de um jovem imigrante, ou de uma jovem mãe. Às vezes, os algoritmos não estão devidamente definidos para criar nos serviços respostas adequadas às diferentes necessidades.
Há ainda um outro aspeto que conseguimos observar: estes jovens requerem muito mais acompanhamento de proximidade, de mentoria, de apoio à resolução de problemas. O acompanhamento estritamente digital faz com que a máquina tome decisões em vez do humano. A máquina reduz muito o erro em alguns aspetos, mas por outro lado, as decisões em termos de entrada no mercado (no caso destes jovens com perfis mais complexos) necessitam de maior acompanhamento pessoal. Esse foi um dos riscos que fomos detalhando em artigos publicados ao longo do projeto.
Surge assim a ideia de criar o Observatório Europeu da Juventude Rural?
Tendo em conta que nesta Ação COST criámos uma plataforma de trabalho que envolveu 30 países e cerca de 130 pessoas, quisemos reter essa colaboração no fim do projeto e alargar o âmbito de interesse da investigação. De que forma? Não considerando apenas os jovens NEET, mas os jovens dos meios rurais, em torno de quatro grandes temáticas: Educação, formal e não formal; Emprego; Inclusão social e a dupla transição – ou seja, os efeitos da digitalização e da transição verde.
A nossa ideia é o Observatório – que é uma associação de investigadores e de entidades do terceiro setor de juventude – poder continuar a desenvolver pesquisa colaborativa e projetos de investigação, mas também oferecer consultoria a decisores políticos, desde o nível municipal até ao nível europeu. Neste momento, já estamos a participar em vários fóruns, de que é exemplo o Pacto Rural, uma iniciativa da Comissão Europeia de políticas para os meios rurais. Também estamos envolvidos no grupo de investigadores para os jovens, do Conselho da Europa, e noutras iniciativas a nível internacional. Colaborámos com a formação, seja de jovens investigadores, seja de técnicos que trabalham com jovens em meios rurais. Em síntese, temos investigação, consultadoria e também a formação de técnicos e investigadores.
A rede de peritos do Observatório, onde e como desenvolve a sua atividade?
O Observatório Europeu da Juventude Rural (EURYO) está registado como uma associação em Portugal. Neste processo, temos tido o apoio do CIS‑Iscte. Temos reuniões regulares, seja na assembleia geral anual, seja em grupos de trabalho de dois em dois meses, e estamos na fase de desenvolvimento da primeira série de Policy Briefs. Já estamos também a trabalhar em resultados que vão dar origem a diferentes capítulos de um livro. E, dentro de dois anos, esperamos ter a nossa primeira conferência internacional.
Quais são os principais assuntos em que o Observatório é solicitado a dar pareceres para as políticas públicas?
Em Portugal, já tivemos algumas ações pontuais que derivam do conhecimento criado nesta rede. A Região Autónoma dos Açores, por exemplo, desenvolveu muito recentemente uma agenda para o Ensino Profissional e nós acompanhámos esse processo. Em consequência, há uma agenda publicada, uma política pública definida e implementada. Mas, curiosamente, temos sido muito mais ativos a nível internacional.
Dou dois exemplos. Temos uma colega italiana a coordenar comigo o grande estudo do Conselho da Europa sobre a situação dos Jovens Rurais, que será publicado no próximo ano. E estamos também nesta fase em negociação com o Governo espanhol para a apresentação dos resultados do projeto Tr@ck‑IN, dado que há um grande interesse em desenvolver uma política pública específica para esses jovens e rever os pacotes legislativos em vigor. Espanha é o país da Europa que percentualmente está a perder mais jovens nos meios rurais para meios urbanos, o que também constitui um problema demográfico.
O que é necessário fazer, em termos de Políticas Públicas, para enfrentar o problema da existência de jovens NEET?
Há um aspeto que não ajuda – e contra nós falamos – que é o facto de NEET ter uma conotação negativa e que precisa de ser desconstruído. Ainda estamos nesse processo.
No caso português, há dois ou três aspetos que são importantes. O perfil do jovem que pode incorrer nesta condição, nos próximos anos, poderá mudar. Nós observamos agora um fenómeno de sobrequalificação, incluindo nos meios rurais. A grande questão é saber de que forma se criam condições de trabalho no mercado local, seja através de novas abordagens às áreas de trabalho destas zonas, seja através da digitalização do trabalho.
A um nível mais local e regional, creio que ainda está por fazer um trabalho de envolvimento dos jovens na agenda e nas decisões políticas, por via formal, das assembleias municipais, por exemplo, ou através de grupos informais. Da parte dos jovens, há o sentimento de que não são envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito.
Finalmente, é muito importante que os serviços públicos nestas áreas deixem de funcionar em silo e passem a trabalhar de forma integrada. Por exemplo, se queremos ajudar as mulheres jovens a terem oportunidades efetivas no mercado de trabalho (a taxa de inatividade nos meios rurais é muito maior) temos de garantir que conseguem melhorar as suas competências, através da educação, mas também que conseguem chegar ao local de trabalho e que têm onde deixar os filhos. Se os serviços públicos de emprego não agem de forma integrada, os recursos não estão a ser mobilizados da melhor maneira e não dão resposta.
Como selecionaram os parceiros destes dois projetos?
Não foi um processo nada sistemático. Quando, em 2018, comecei a interessar‑me por este problema de uma forma mais científica, deparei‑me com a situação de não encontrar ninguém, ou muito pouca gente, que estivesse a fazer investigação neste campo. Na altura utilizei o “método Google” – procurar pessoas, trabalhos nesta área, ir às bases de dados. Ou seja, a ideia levou um ano a ser preparada. Quando submeti o projeto à COST, que, no mínimo, exige a participação de sete países, fizemo‑lo com 15! E, dessa rede, conhecia apenas duas pessoas.
Apoiámos também os projetos de membros da rede a nível nacional, projetos que são definidos em função dos grupos de trabalho. Partimos de uma base em que não existia um interesse comum claro e declarado, estabelecemos essa rede, conseguimos criar conhecimento nessa área e, a partir daí, trabalhámos nesta visão mais alargada dos jovens nos meios rurais, nas quatro áreas temáticas que definem os projetos. Em quatro anos e também devido às limitações da pandemia para viajar, fizemos 70 publicações – incluindo o livro de final de projeto NEET in European rural areas e muitos artigos científicos.
Em relação ao projeto Tr@ck‑IN, quais são os resultados expectáveis?
Percebemos que quanto mais burocrático e administrativo for o acompanhamento, sem um elemento humano ou de suporte social, menos eficaz é a intervenção com este grupo populacional. Os resultados de um inquérito aplicado em todos os países revelam que, quanto maior a dimensão humana do apoio, maior impacto tem na empregabilidade destes jovens ou nas dimensões relacionadas com o seu bem‑estar. Portanto, garantir que temos modelos mais humanizados nos serviços públicos é uma das principais recomendações deste projeto.
Francisco Simões, investigador do CIS-Iscte, foi recentemente nomeado coordenador de um estudo europeu, organizado pelo Conselho da Europa em colaboração com a União Europeia.
“O objetivo é realizar uma análise transnacional das políticas e dos serviços prestados aos jovens que vivem em áreas rurais”, adianta Francisco Simões.
Para além disso, será também dada atenção às perspetivas destes jovens relativamente a áreas como a educação, o emprego, as mobilidades ou a participação social.
O estudo pretende ser bastante abrangente, já que se espera que envolva cerca de 20 dos 46 Estados-membro do Conselho da Europa, contribuindo para construir políticas públicas relevantes para jovens que vivem em meios periféricos, afastados dos grandes centros urbanos e que enfrentam desafios únicos.
Francisco Simões é investigador integrado na Pool of European Youth Researchers (PEYR), um grupo de especialistas que contribui para o desenvolvimento de políticas europeias para a juventude, desde o início de 2024.